Acenda a luz

Fui assistir “Deixe a Luz Acesa”. Um bonito filme que acompanha quase 10 anos da vida de um diretor de documentários perdido na vida que começa a se dar bem na carreira e de seu namorado advogado, teoricamente um homem correto e careta, mas um viciado em crack e álcool.

E uma coisa me chamou atenção logo no começo da história por ser comum em outros filmes com protagonistas homossexuais: os casais conhecem seus parceiros de formas promíscuas. Relembre aí os filmes que você assistiu. Mesmo que sejam belas histórias de amor, é sempre via um bate-papo na internet, telessexo, pegação em lugares públicos. Sim, essas coisas existem, mas fazem tão parte do universo gay quanto do hétero.

Fiquei assistindo as várias idas e vindas do casal tentando calcular quantas cenas aquela mesma história teria durado se fosse um filme com um homem e uma mulher: bem poucas. Não entendo essa ideia de naturalidade que é coloca em filmes gays em relação a traição, por exemplo. Como se dentro de todos os relacionamentos gays elas fossem sempre cometidas e perdoadas.

Eu entendo (e de certas formas pertenço) ao lado underground de ser gay – ser diferente é ser marginal – e talvez a história fosse um pouco menos interessante se fosse sobre um casal gay “cotidiano” (caras que se conhecem através de amigos em comum, marcam um jantar, depois um cinema e aí começam a namorar). Mas sei lá. Algo me incomoda muito em ver esse tipo de história na telona.

Ninguém sairá da sala de cinema querendo dar lampadadas na cara de gays – até porque você precisa já ser no mínimo um simpatizante da causa pra ter topado ver um filme com essa temática -, mas acho que esse tipo de coisa colabora negativamente para a imagem que fazem “do gay”.

Estereótipos levam à generalizações e suposições e nem todas estão corretas – aliás, a maioria é equivocada. Existem alguns pontos em comum em certos grupos de pessoas, mas é perigoso generalizar. Hoje, ao meu redor, vejo muita gente encarando como óbvias as ideias de que nem toda loira é burra, nem todos os pobres são ladrões, nem todos os ricos são esnobes etc. Mas gays, ah, os gays são todos iguais sim.

Não sei vocês, mas eu faço esforço pra mostrar pra minha mãe, por exemplo, que não mudei pra São Paulo pra ficar me drogando, indo pra festas e fazendo orgias. Mas eu tenho certeza que em algum nível ela deve achar que faço uma dessas coisas. A imagem do gay é essa pra muita gente.

Minha mãe não é gay (tcharan!), nem grande parte dos meus amigos é, nem meus chefes são, nem o balconista da padaria da esquina (acho). Todo o contato que essas pessoas tem com a cultura gay vem de mim e de pessoas como eu, que estão em suas vidas de uma maneira ou de outra. Por isso me sinto quase na obrigação de fazer algum esforço e me apresentar como tudo mais que posso ser e sou – além de “apenas gay”.

Toda vez que um gay aparece em reportagem, em filme ou série de TV – pelo menos nas que são mainstream o suficiente pra serem vistas pelo seu pai aposentado e pela sua sobrinha de 6 anos – ele é representado por uma mocinha delicada ou um motoqueiro peludo. Usando roupas neon numa boate ou acampado na fila de um show. Toda festa declaradamente gay tem homens descamisados nos flyers, todo site com notícias sobre direitos dos homossexuais tem uma galeria de fotos com descamisados.

Defendem tanto que ser gay é “só mais uma característica sua como qualquer outra” que esquecem uma coisa importante: não para os outros. Claro que você não deve se importar com o que pensam de você, mas não custa ter um pouco de atenção nessa ideia: infelizmente, o preconceito é tão grande que faz sim um responder por todos. Todo gay tem em sua vida alguém que acha que todos os gays são iguais a ele.

E essa é uma responsabilidade pesada.

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