Muitos pesos, muitas medidas

(Tentei reunir várias opiniões e conceitos nesse texto, mas vale lembrar que eu não estudei psicologia, sociologia nem educação física)

Nascer homem e branco tirou da minha frente muitos obstáculos. Mas pertenço a algumas minorias e isso me fez abrir a cabeça e perceber como é falha nossa sociedade em vários níveis.

Todo mundo tem preconceitos, mas a gente não pode deixar que eles virem discriminação. Uma das discriminações que sofri quando criança e adolescente vinha de uma coisa que eu não controlava: meus genes. E aqui não falo de ser gay, ter cabelos ruivos ou polidactilismo. Era que eu era magro.

Parece idiota. “Poxa: magro, branco, homem. Que sofrimento, né?”. Mas é que eu era magro mesmo. Magro demais. Coisas genéticas de metabolismo rápido que me faziam ser o último escolhido nos times da educação física, ter vergonha de todas as roupas do armário, não me sentir confiante com minha aparência o suficiente pra ficar com ninguém. Afinal, homem tem que ser macho e forte.

Gordo só faz gordice

O que chamamos de padrões estéticos são impostos pela mídia. Parece que tem um vilão na ponta de uma mesa tomando essas decisões, mas não é: Hollywood sabe muito bem (e tem os comprovantes de lucros das bilheterias pra provar) que um filme com o Ryan Gosling como ator principal dá mais certo que um filme com o Steve Buscemi. Mas olhe ao redor e me diga: na sua vizinhança tem mais caras parecidos com o Steve Buscemi, certo?

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Quando você olhou pra essa foto você viu um picolé ou uma pequena pá de areia?

E aqui nasceu o primeiro preconceito, acho. Tem milhões de gordos no mundo, mas nunca sendo bem representado nos pacotes midiáticos que ditam muito do comportamento da sociedade. No cinema, na novela e na propaganda só pode ser gordo se for engraçado, falar sem parar de comida, soltar pum na frente de outras pessoas. É o problema dos negros serem sempre empregados e dos gays serem sempre afetados nesses mesmos produtos da mídia.

Mas as coisas estão mudando. Quero dizer, existem personagens sérios em filmes e séries interessantes que são, por coincidência, gordos. É preciso transformar essa característica em só mais uma, eu acho.

Um amigo uma vez escreveu sobre todos os malabarismos que as pessoas faziam para não chamá-lo de negro: como se fosse ofensiva essa palavra, sempre usavam a expressão “moreno escuro”. Acho que essa é uma questão presente na vida das pessoas sempre chamadas de “fofas, cheinhas, gordinhas, gracinhas”. Alto, magro, gordo, baixo são apenas características que devem ser usadas abertamente com quem se reconhece nelas.

A campanha Dove “pela real beleza” foi a primeira vez, que eu me lembre, que vi essa discussão aparecer e ir para outros campos. “É muito fácil fazer lingerie pra essas modelos magrelas”, diziam as fãs da campanha (aqui provavelmente sua mãe e suas tias), “quero algo pra mim”.

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“Deixar modelos tamanho 30 mais firmes não teria sido nenhum desafio”, diz o anúncio.

Ao meu ver, funcionou.

Muita (muita!) gente discorda, mas acho que essa campanha trouxe pro holofote várias questões e a partir daí comecei a testemunhar mais e mais conversas sobre amar seu corpo como ele é e não seguir padrões bobos. Pelo menos a conversa ficou mais mainstream depois disso.

A beleza está nos olhos de quem vê

São muitos tipos de humanos nesse mundo. E o número de preconceitos acompanha. Fiz uma enquete no meu Facebook sobre isso e deu de tudo: gente que sofreu bullying por ser gorda ou magra demais (“demais” comparado a quem, né?), negra, ter cabelo liso, ser baixinha, ser bunduda…

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Alto, baixo, gordo, magro. Se reconhecer nesses rótulos é uma coisa, aceitá-los é outra. Eu sabia mais que qualquer pessoa que eu era um branquelo magrelo – espelhos e balanças não mentem. Mas eu não gostava. E uma grande parte dos meus anos de terapia foi pra lidar com isso: eu também quero fazer parte da galera Amo Meu Corpo Como Ele É, mas eu não amo. O que faço? Aprendo a amar ou tento mudar?

Que tal as duas coisas? Tô tentando isso. Não sou e nem me sinto superior por causa disso – inclusive pois ainda estou longe da minha meta -, mas essa minha decisão levantou outros questionamentos e incômodos.

Incômodos alheios.

Quando eu virei vegetariano, por exemplo, senti na pele: nenhuma discussão de direitos animais era levantada por mim e nenhum veto de escolha de restaurante na hora do almoço era meu. Mas, mesmo assim, minha opção incomodava muito. As pessoas se sentiam ofendidas com a minha decisão ou força de vontade, sei lá. “Eu não conseguiria parar de comer carne”, me diziam sempre, sem eu ter perguntado nada. E eu pensava: ok, que bom que não tem ninguém aqui te pedindo pra fazer isso. Afinal, eu estou aqui na minha; se você gosta de carne, coma carne.

E o que mais testemunho agora é isso, gente julgando minhas novas mudanças de hábito: “você é magro, pode comer sobremesa sim”, “você não cansa de comer a mesma coisa todo dia?”, “nossa, como você consegue comer isso?”. Gente, eu estou aqui na minha, não gosta, não olha, não faz.

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“Como é bonita uma mulher que luta! Você não acha?”

É muito injusto ver as mesmas pessoas que compartilham ~campanhas Dove~ comentando em fotos de passistas de escola de samba falando que elas são “masculinas demais, torneadas demais, musculosas demais”. Parece que os conceitos se confundiram. Real beleza é ver valor em todo tipo de beleza. O corpo é delas, as moças musculosas fazem o que elas quiserem. Mesmíssimo direito que todo mundo tem.

A beleza que eu vejo pode ser só minha, talvez você não veja, mas ela também merece ser respeitada. Cada um tem seu conjunto de características que acha bonitas nos outros, cada um tem tesão em certas coisas – e essas coisas podem ou não estar em sintonia com o que aparece nas páginas de uma revista. Injusto é achar que todo mundo ao redor tem que ser do jeito que você gosta. Repito: todo mundo tem preconceitos, mas a gente não pode deixar que eles virem discriminação.

Se sentir atraído por pessoas que não seguem os padrões pré-estabelecidos de beleza não te faz profundo; do mesmo jeito que sentir atração por pessoas que seguem os padrões não te faz burro.

Dia desses conversei com um cara na academia e ele reclamou exatamente disso:

Todo dia alguém chega pra mim e fala: “Para de malhar tanto, isso não faz bem, você vai explodir desse jeito” e eu tenho que sorrir e mudar de assunto. Mas experimenta chegar pra um gordo comendo um McDonald’s e falar: “Para de comer isso, isso não faz bem, você vai explodir desse jeito”! Aí você é reativo, babaca, sem educação…

Foi uma piada, mas eu entendi o que ele quis dizer.

Cada decisão é pessoal e cada um sabe de suas batalhas, do que está abrindo mão e o que está ganhando. O que não dá é aguentar quem discrimina quem escolheu um caminho diferente do seu.

Vamos todos relaxar

Em seu livro “Bossypants”, a atriz Tina Fey, então mãe de uma menina, reflete sobre os padrões de beleza do mundo quando fala de bonecas de cabelo preto ou amarelo (ela se recusa a usar a palavra “loira”) e celebridades. Meu trecho favorito:

Acho que a grande mudança no padrão de beleza feminino veio com a bunda da Jennifer Lopez. Foi a primeira vez que essa parte do corpo virou mainstream nos Estados Unidos. As meninas queriam ter bundas agora. Homens se sentiram livres para admitir que gostavam de bundas. E, momentos depois, chegaram as pernas da Beyoncé. E aí as pessoas começam a admirar coxas grossas e foi aceito que todos os tipos de corpo são bonitos. Ha ha ha ha. Claro que estou brincando! Tudo que Beyoncé e Jennifer Lopez fizeram foi aumentar a lista de atributos que as mulheres precisavam ter para serem consideradas lindas. Agora, é esperado que toda moça tenha olhos azuis, lábios espanhóis, um narizinho de botão, uma pele asiática sem pêlos com um bronzeado californiano, uma bunda jamaicana, longos braços suíços, pequenos pés japoneses, a barriga tanquinho de uma dona de academia, os quadris de um menino de 9 anos, os bíceps de Michelle Obama e os peitos de uma boneca.

Tenso, não?

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É engraçado, mas é triste. Ficou linda pra quem? Em que critérios você está se baseando pra chamar suas características físicas como as necessárias para “ser linda”? Isso é validar sua vida pelo olhar do outro, pelos conceitos dos outros. Tem que ver isso aí, moça.

Sim, cuidar da aparência pode ser algo superficial, mas isso significa que é inválido? Certos padrões podem oprimir, mas se formos perseguir quem faz parte deles vamos acabar com todo o elenco dos nossos filmes favoritos. Os cartazes da Dove não têm mulheres desleixadas. Estão todas arrumadas e bem cuidadas, fora dos padrões por opção, parece.

Sei lá. Teve uma época da polícia da saúde, de tudo ser light, detox, sem glúten. E aí teve um contra-movimento de resgate do catchup, do bacon e do churros. E agora essa galera não consegue conviver, como se fossem tribos inimigas.

Por baixo dessa ponte que chamamos de aparência física corre muito hormônio, glândulas, genes, escolhas e estilos de vida.  Chamar modelos de magrelas ou desnutridas, por exemplo, é ignorar uma verdade genética incontestável: a maioria delas não faz esforço pra ser magra. Falar que todas são bulímicas é tão errado quanto falar que todas as gordas são comedoras compulsivas ou que todo mundo que faz academia é burro.

A patrulha do corpo alheio está precisando de um chá de camomila.

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Querida TPM, ser linda de nascença é fácil, né?

Essas duas capas da TPM são os melhores exemplos disso. A edição tinha uma capa “falsa”, imitando a capa de revistas femininas sensacionalistas, com Alice Braga de maiô. A capa “real” traz a atriz com look despojado e a manchete verdadeira da revista. A publicação se traveste de amiga, mas não engana: a mensagem é que você tem que nascer bonita se quiser ser bonita.

No blog Já Matei Por Menos, Juliana Cunha escreve que essa capa despreza a mulher que “se esforça” para preencher os padrões.

Seja linda, mas vê se toma um banho rápido e não chateia os amigos com assuntos de dieta. Quando leio a TPM me sinto tão pobre, feia e incompetente quanto quando leio qualquer outra revista feminina.

Para ser uma mulher de Nova você precisa trabalhar muito, comer pouco e transar a cada dia numa posição diferente. Para ser uma moça da TPM você basicamente tem que nascer daquele jeito. A questão é: quem nasce assim?

Solução doce

O importante é harmonia, honestidade consigo e combinados. Entre você e seu corpo primeiro; depois entre você e seu cônjuge ou entre você e seu terapeuta – ou talvez só entre você & você baste.

Em um texto chamado “Queridas Gordas”, Polly analisa a cena de uma novela em que o personagem de Caio Castro, que está com uma gorda, diz que namora a moça pois “consegue gostar dela apesar dela ser gorda”:

1) Ai, ela é tão maneira que consigo perdoar o corpo dela NÃO EXISTE. Ela é tão legal e gosto tanto de conversar com ela que vou fechar os olhos e pensar na Gisele Bündchen NÃO EXISTE. O que existe é homem babaca que, por pressão social, tem medo de dizer ELA É MUITO LEGAL AND A BUNDA GORDA DELA É UMA DELÍCIA. Confie em mim, se uma pessoa está transando com você é porque ela se sentiu atraída pelo seu corpo. Seja ele gordo ou magro. Maneirice não deixa ninguém de pau duro.

2) Muita gente, mas muita mesmo, morre de tesão em gorda. Tem gente por aí que sonha toda noite com pernas roliças e cheias de celulite como as suas. De verdade. Então, por favor, NUNCA NA VIDA se acomode com alguém que não te faz sentir desejada. Apesar do que a novela e todas as revistas e os seus vizinhos possam dizer, tem muita gente por aí que vai te achar maravilhosa por completo, então não perca seu tempo com quem só te acha legal. Fique com quem te acha legal e gostosa.

Assinado: Gorda que pesa 140 kgs e nunca ficou sem piroca na vida.

Preciso falar algo a mais?

Vamos cada um cuidar do seu corpo e da sua vida?

feliz
Pera que caiu um cisco no meu olho aqui

2 comentários em “Muitos pesos, muitas medidas

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