Introdução
É super, super comum ver mulheres reclamando de filmes pornôs. A esmagadora maioria deles é feito de homens para homens e, por isso, não são fiéis à realidade: mulheres não gozam tão facilmente quanto nesse tipo de filme, pra citar apenas um exemplo. E se esses vídeos fossem apenas entretenimento, tudo bem, mas todos sabemos que eles ultrapassam um pouco isso por serem o primeiro contato de muita gente com sexo. E essa objetificação da mulher nos pornôs é internalizada por vários homens, que vão e levam a vida achando que a realidade é assim.
Sinto que com gays é a mesma coisa. A grande maioria dos filmes pinta um cenário em que ficar de quatro é a única posição existente, em que sexo oral diz respeito apenas ao pênis, em que o passivo da relação sempre gosta de sentir dor ou ser humilhado, que todo gay é sarado e de cabelo liso, que todo cara gosta de gozada na cara, que todo entregador de pizza é gato – e por aí vai.
Mas apesar de tudo isso, devemos entender que a construção da identidade gay (do jeito que conhecemos hoje) está intimamente ligada à produção pornográfica. É complicado admitir isso, pois já somos um grupo que sofre muitos preconceitos e um dos principais deles é o de ser chamado de promíscuos – uma generalização tão errada quanto falar que todos os heteros são castos e virgens.
É que quando o movimento homófilo* começou nos anos 1950, o governo dos EUA não via diferença entre manifestos por direitos, publicações eróticas e fotografias pornográficas. Tudo era considerado ilegal e foram os pornógrafos que mudaram esse cenário por debaixo dos panos. Eles conheciam as restrições legais bem o suficiente para saberem como burlá-las e tinham dinheiro para enfrentar discussões públicas sobre obscenidade (o que acontecia bastante, já que trocar material considerado pornográfico dava até prisão).
*Homófilo: no início da luta pelos movimentos LGBT nos EUA, os líderes tentaram adotar o termo “homófilo”, por considerarem que o termo “homossexual” dava ênfase apenas ao lado sexual da atração por pessoas do mesmo gênero, enquanto “homófilo” frisava o amor.
No meio dessa bagunça toda de direito civis e confusões recorrentes sobre conceitos (tinha hetero na época que achava que se uma mulher o chupasse isso fazia dele gay!), as organizações homófilas tinham as suas publicações (a maioria com tiragem bem pequena), mas os pornógrafos criaram as chamadas “revistas de pose”, como Physique Pictorial e Tomorrow’s Man. Afinal, eles eram proibidos por lei de enviar revistas pornográficas pelo correio, então editores vendiam fotografias de corpos musculosos com pouca ou nenhuma roupa com a desculpa que elas serviam como referência a pintores ou desenhistas que queriam praticar o desenho da figura humana mas não dispunham de modelos vivos.
Importante dizer que nessa época, a mídia tradicional retratava os homossexuais como clinicamente doentes, depressivos e criminosos, por isso a pornografia dessa época (que hoje consideraríamos inocente) foi tão importante: ela oferecia um respiro de ar fresco no mundo de gays por todo o país. Homens que estavam no armário ou que moravam em cidades pequenas, fora de centros urbanos, viam esperança numa vida de normalidade e de amor a dois na forma de revistas e filmes de 8mm encomendados pelo correio.
Se você quer um nome pra pesquisar sobre tudo isso procure por Chuck Holmes, dono da Falcon Studios. Outro nome legal é Robert Mapplethorpe, que foi quem tirou a arte gay do gueto e colocou na galeria de arte. Nascido na Nova York dos anos 40, ele foi frequentador da cena sadomasoquista e de bares leather, mas também circulava na alta sociedade artística (foi amigo de Andy Warhol e Patti Smith, por exemplo).
Mas ele não foi o primeiro a fazer arte com homens pelados, claro. E, na verdade, é complicado saber quem foi. Mas uma outra boa referência é o barão Wilhelm Von Gloeden, que foi um fotógrafo alemão do século XIX, pioneiro na fotografia ao ar livre com o uso do nu masculino. Ele usava elementos da Grécia antiga nas imagens que fazia à partir do ano 1880. Um homoerotismo inocente mas, certamente, à frente de seu tempo.
Então da capa da última revista Made In Brazil até a coluna Hot do blog Papelpop (para a qual eu já escrevi durante um ano, inclusive), todo mundo deve um pouquinho a todas essas pessoas citadas aqui. Por isso mesmo quis fazer essa introdução tão longa pra contextualizar um pouco a coisa: todos os projetos de nu masculino são legais e válidos, mas só existem por causa de milhares de pessoas que vieram muito, muito entes deles e os tornaram possíveis.
Mas chega de falação, vamos para a lista! E se você conhece algum projeto legal que não está aqui, deixe nos comentários do post!
Chicos
O projeto é uma mistura interessante de conceitos e corpos: gays comuns são fotografados nus e questionados, em vídeo, sobre a relação que têm com seus corpos, sua sexualidade e primeiras experiências. Além do site, já gerou exposições e festas, e a ideia dos criadores Rodrigo Ladeira e Fábio Lamounier é transformar todo o material coletado em um livro e um documentário.
Pornceptual
O projeto de Chris Phillips é pra ser mesmo sobre pornografia, com todas as letras. Mas a ideia é sair do óbvio, é fazer pornografia artística. E é isso mesmo que é feito. Vale muito conhecer e seguir. Além das propriedades online, há a revista Pornifesto, que pode ser comprada aqui.
Snaps
O fotógrafo peruano Gianfranco Briceño criou a Snaps Fanzine via financiamento coletivo: ele mesmo diz que era para ser um portfólio, um zine de amigos posando, mas a repercussão transformou o projeto numa simples exibição natural (e menos vexatória) do nu masculino. Lindo, lindo!
Flesh Mag
“Toda carne interessa”, diz o manifesto desse revista digital baseada no Rio de Janeiro que começou tem 4 meses para dar visibilidade à diversidade dos corpos masculinos para além dos moldes. Os cliques são dos fotógrafos cariocas João Maciel e Rafael Medina.
Portis Wasp
Esse blogueiro escocês transformou seu Instagram em algo bem específico: ele só faz montagens de pessoas seminuas em cenários de filmes da Disney. Sexy e divertido ao mesmo tempo.
Original Plumbing
Essa revista sobre a cultura trans está indo para sua 17a edição e sempre convida para as fotos todo mundo que estiver disposto a ser clicado. Aqui não há nu, a revista é, na verdade, sobre lifestyle e com matérias sérias e longas: já tiveram edições sobre selfies e o movimento trans no skate, por exemplo. É interessante para todo mundo relembrar que identidade de gênero não define gostos e nem caráter (e nem orientação sexual!), cada pessoa é completamente diferente da outra.
Meat
Um britânico e um islandês são os donos dessa revista que já existe há 5 anos. O gosto pessoal dos fotógrafos é critério de escolha para os modelos das fotos das 15 edições de 44 páginas coloridas e não-retocadas.
Misterabsurdo
Mister Absurdo é o alter ego do ilustrador Mario Gómez, que mora em Madri. Segundo ele, a ideia é mostrar com suas ilustrações que “tudo é possível”.
Kink Magazine
De Barcelona, os fotógrafos Paco e Manolo já passaram da 23a edição dessa revista física totalmente voltada a nus masculinos e que dá preferência a pessoas com corpos normais: também tem homem perfeitinho e malhadão e com barba, claro, mas são minoria.
Butt Magazine
Provavelmente a mais famosa dessa lista: a revista nasceu em 2001 e fez das páginas rosas um tradicional fundo para fotos sensuais e matérias bem legais. Na internet, o site da revista tem uma rede social e mapas com indicações de points gays de grandes cidades.
The Tenth Zine
Já a ideia desse zine dedicado à beleza negra é “recuperar a cultura afro-descente que a mídia tem nos roubado desde a invenção de Hollywood”, segundo o editor, Khary Septh, que também escreve para a VICE. A foto abaixo é da primeira edição; eles publicam duas por ano.
Exterface Studio
Aqui não é exclusivamente masculino, mas tem muito homem bonito sensualizando nos ensaios e calendários dos fotógrafos franceses Stéphane e Julien, cujos temas variam muito. O de 2016, por exemplo, é uma revisita à mitologia grega.
André Flexões
Esse projeto é totalmente independente e totalmente web, mas é legal exatamente pela falta de pós-produção: imagens caseiras de vários tipos de corpos, tudo bem explícito.
Coitus
Essa famosa revista é all about modelos gatos. Apesar do nome, ela é vendida mais como uma publicação de moda e lifestyle que, necessariamente, um projeto erótico, e suas páginas são bem plásticas.
Fábio da Motta
Os cliques do Fábio são muito legais, independente de em qual rede você vai segui-lo: de selfies até ensaios com terceiros, o corpo masculino está sempre em evidência de um jeito sexy e bem pouco óbvio.
Minsoart
Amo esse perfil do Instagram pois ele sempre me faz rir ou refletir: são apenas montagens de coisas aparentemente muito diferentes, mas colocadas juntas de um jeito fluido que fica, geralmente, muito bonito ou, pelo menos, interessante.
Hello Mr.
Lançada em abril de 2013 por Ryan Fitzgibbon a revista Hello Mr. já está na sexta edição e ficando tão famosa quanto a Butt Magazine, com matérias bem interessantes direcionadas a “homens que saem com outros homens”, como diz na capa. O Instagram deles é bem legal também.
Se você conhece algum projeto legal que não está aqui, mande nos comentários do post!
Créditos
O uso das imagens do Snaps, Flesh e Pornceptual foram autorizadas pelos fotógrafos; a imagem do Chicos pelos criadores do projeto e modelo; as demais eu peguei direto de cada site ou rede social – se você é dono delas ou aparece nelas e quer que elas sejam removidas, deixe um comentário no post com seu pedido. A maior parte da pesquisa do texto de introdução foi do Marcio Caparica, também usada com permissão.
Acho incrível o projeto The Lonely Project que tem no Instagram, um projeto brasileiro só com nus em preto e branco de homens clicados em suas casas, tudo de muitíssimo bom gosto. @thelonelyproject
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Sim, puxa, é muito legal mesmo!
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Tem o projeto super bacana do Fernando Schlaepfer, #365nus. Tem fotos dele, da Camila Cornelsen e do Chicos na última edição da revista TPM, sobre nudez, tá incrível!
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Sabe onde aceitam colaboradores?
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Sobre a maioria dos homens dos projetos serem brancos, magros e musculosos: desapontado, mas nada surpreso.
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Então te apresento o Viva Caligula, com fotos de pessoas reais e ensaios muito mais orgânicos: https://vivacaligula.wordpress.com/
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Vc viu todos os projetos?!
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Sim, especialmente os gringos. Mas nos brasileiros há bem mais tipos de corpos. Depois dá uma olhada com calma 😉
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Desejo convidá-lo a conhecer o meu Projeto de Desenhos Eróticos/ Nu Artistico: https://miguelangelobrasil.wordpress.com/
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