M.I.A. x Madonna

[Esse texto é bem pessoal e apenas sobre as citações feitas sobre Madonna no filme, para saber mais sobre a obra, recomendo que você clique nesse link aqui.]

Na última semana eu assisti o documentário “Matangi / Maya / M.I.A.”, que conta as desventuras e ascensão de M.I.A., provavelmente a celebridade mais famosa no ocidente nascida no Sri Lanka.

De forma bem resumida, o documentário mostra um pouco da vida pessoal da estrela: depois de mais de 10 anos do debut com o disco “Arular”, fica claro o quanto M.I.A. influenciou muito da música que veio depois, inclusive sendo uma das responsáveis pela explosão do Diplo mundo afora. É fácil perceber que sim, o mundo queria suas danças, seu som e seu jeito de se vestir, mas não queria sua militância. Parte da decepção de M.I.A. na sua ascensão a celebridade internacional foi o fato de que ninguém a queria ouvir se ela estivesse falando sobre a guerra no Sri Lanka.

Parte desse movimento vinha sob o rótulo de que a artista era hipócrita: queria ser a advogada de uma realidade que não era sua – falava sobre a guerra e a pobreza de um país, enquanto nadava no dinheiro morando em outro. Embora só tenha tido contato com a guerra durante 2 meses que passou em Sri Lanka gravando um documentário com seus familiares, anos antes de sua fama como cantora, ela morava em Londres como refugiada desde bem pequena. Ela saiu do país inclusive por conta do envolvimento de seu pai com os grupos armados de resistência, mas sua vivência com esse universo violento nunca existiu de verdade – sua própria família fala isso no documentário.

E é aqui que entra Madonna na história.

Em um momento, M.I.A. mostra seu desespero em uma brincadeira com sua empresária, ao telefone: “Como eu faço para minha música tocar no rádio?”, ela perguntava. Neste ponto, a artista estava outra vez envolvida em escândalos bobos. Ao longo da carreira, ela foi alvo de vários: além da acusação de hipocrisia quanto ao seu ativismo, muita gente não entendia seu sarcasmo, a considerando uma ameaça e, até mesmo, uma terrorista. Com esse caminhão de polêmicas na cabeça, os negócios andavam complicados.

Na cena seguinte, ela recebe um convite de Madonna, que quer gravar uma faixa e um clipe com ela e Nicki Minaj, e apresentá-la ao vivo em um dos eventos com maior audiência do planeta. “Uma ítalo-americana, uma afro-americana e uma tâmil no Super Bowl?!”, pergunta sua irmã, comemorando o convite com sorrisos e choque. Mas parece que a festa durou pouco.

O documentário é um remendo com filmagens de várias épocas e, em uma delas, M.I.A. fala sobre os Estados Unidos: “Eu usava All Star quando era jovem e amava os EUA, mas as coisas mudaram um pouco depois de 2001”, provavelmente se referindo ao aumento do preconceito às religiões não-cristãs e às políticas do país com imigrantes depois dos atentados de 11 de setembro. Na cena seguinte, ela esta se preparando para gravar o clipe de “Give Me All Your Luving“, do álbum “MDNA”, de Madonna, reclamando de seu figurino de cheerleader. “Sobre o que é o clipe?”, pergunta a pessoa filmando. “Sobre os Estados Unidos”, M.I.A. responde. A plateia ri.

O clipe de Madonna e o novo de M.I.A., “Bad Girls“, saíram no mesmo dia no YouTube, com uma diferença de 10 minutos entre eles – mas hora nenhuma dizem qual das duas divas publicou primeiro. Na sequência, o documentário mostra trechos do clipe em parceria com Nicki Minaj: M.I.A. de líder de torcida e jogadores de futebol-americano protegendo a rainha do pop de levar tiros. Depois, mostra o trabalho da cantora srilankesa: mulheres com armas e sheikes fazendo drifts com carros. A plateia ri da diferença entre os vídeos e aplaude o segundo.

Para mim, o que essa cena diz muito claramente é que a provocação do intervalo de 10 minutos de lançamento entre os clipes tinha virado algum tipo de rivalidade entre as duas artistas, pelo menos do lado de M.I.A.

“Eu vi Madonna, uma pessoa que eu ouvia as músicas quando eu estava crescendo, obedecendo as pessoas sobre o que ela devia ou não usar e fazer”, comenta M.I.A, sobre os ensaios e a apresentação no Super Bowl em que ela decidiu mostrar o dedo do meio para as câmeras. Depois de fugir dos executivos do evento que queriam dar uma dura nela nos bastidores, ela chega em casa e abraça seu filho. “Eu não gosto da NFL”, diz a criança sobre a Liga Nacional de Futebol-Americano dos EUA. “Esse é o meu filho!”, ela sorri.

Um outro lado (dessa parte) da história

Nas entrevistas para promover o documentário, a cantora se dirigiu especificamente a estas cenas, criticando artistas que, “como Madonna”, a usaram. M.I.A. diz que sua popularidade e seu som chamaram atenção, mas que as pessoas acabavam apenas “roubando” muito de sua arte e nada de sua militância. E é justamente essa história de rancor que não fecha para mim.

Primeiramente pois a própria M.I.A. usa dessa fórmula, mesmo que a apresente embrulhada em um papel diferente. Seu próprio documentário mostra a cantora viajando ao redor do mundo e gravando vozes e sons de pessoas em vários países, incluindo Jamaica, e sua parceria com Diplo, que levou muito do nosso funk carioca para seu som – nada disso é amplamente creditado como criação de terceiros, o mérito vai pra ela sozinha.

Outra coisa é que é muito claro que Madonna estava em uma fase bem diferente com os EUA. Seu álbum mais político de todos, “American Life” (2003), provocou muita ira conservadora no governo Bush, houve boicote e ameaças até contra os filhos da cantora. De lá pra cá, Madonna envelheceu e foi se adaptando ao mercado para voltar ao coração dos americanos – o maior mercado do mundo. Não é uma coincidência que antes de “American Life” a loira tinha álbuns com poucos produtores e uma seleção diminuta de faixas em seus discos. Depois do fracasso comercial de 2003 é que ela foi caçar parcerias com Britney Spears, Timbaland, Justin Timberlake, Diplo, Nicki Minaj e a própria M.I.A. Uma tentativa dela de se manter relevante e se mostrar não-mais-tão-polêmica. O álbum imediatamente seguinte, “Confessions On A Dancefloor” (2005), tinha até uma música chamada “I Love New York”!

Um dos grande trunfos do documentário é exatamente tentar mostrar como equilibrar a vontade de ser relevante e ganhar dinheiro com a vontade de construir um legado e fazer a diferença no mundo. Algo que M.I.A. podia ter trocado uma ideia com Madonna sobre: como sabemos, a loira gosta de se posicionar politicamente sobre vários assuntos (foi pioneira em falar abertamente sobre AIDS, foi uma figura importante na visibilidade do caso das Pussy Riot, fez campanha pelo Obama e se posicionou contra Bolsonaro recentemente, para citar poucos casos). Mas também bota a mão na massa: seu maior xodó é o país africano do Malauí, de onde adotou quatro crianças e onde construiu 10 escolas (mais 4 estão planejadas para 2019) e um hospital pediátrico completo, além de uma escola no Paquistão.

Nada disso é coberto na grande mídia, nada disso é assunto quando Madonna vai a um talk-show e não vejo ela reclamar disso em lugar nenhum. Mas eu sei, ter trabalhos beneficentes é bem diferente de tentar expôr uma guerra. O fato é que, antes do Super Bowl, elas estavam amiguinhas – ou pelo menos parecia que dava para todo mundo se aguentar.

Em todas as entrevistas para divulgar o showzão que faria, Madonna garantia que não haveria baixaria. Sabendo de seu histórico de shows provocativos e querendo a todo custo não repetir a polêmica de Janet Jackson no evento (que expôs um de deus seios sem querer), a NFL estava pressionando muito a cantora por um “show família” – afinal, o jogo é transmitido com classificação etária livre por lá. E entre gladiadores dançando “Vogue” e LMFAO fazendo participação, era mesmo pra ter dado tudo certo. Só não deu por conta do maldito dedo do meio da M.I.A.

Os americanos são muito sensíveis a tudo isso e o caso ganhou proporções absurdas, inundando revistas e programas de fofoca. “Infantil”, foi assim que Madonna explicou e reduziu a ação em entrevistas. O que imagino que corra nos bastidores entre as duas seja ressentimento por conta desse ato. M.I.A. fugiu das claras regras da organização, pareceu tentar roubar o holofote de sua anfitriã e saiu com uma multa de 16 milhões de dólares da NFL nas costas. Se você levar isso em conta, enxerga como os pontos dela sobre Madonna em seu documentário têm um tom quase vingativo.

Screen Shot 2018-11-08 at 18.00.08
As palavras exatas de Madonna sobre o caso: “Eu fiquei muito supresa. Eu não sabia nada sobre isso”, confessou a Material Girl. “Eu não fiquei feliz com aquilo. Entendo que é punk rock e tudo, mas pra mim havia um sentimento de amor e boas energias e positividade [no show], pareceu negativo. Foi uma coisa muito adolescente, irrelevante, de se fazer. Não foi no lugar certo.”
Screen Shot 2018-11-08 at 19.19.29
A atriz Nasim Pedrad como M.I.A. no “SNL”

Tudo isso ainda sem falarmos de uma coisa muito óbvia: M.I.A. não era obrigada a aceitar participar de nada disso. Inclusive, no sábado depois do Super Bowl, o programa de humor “Saturday Night Live” fez um esquete sobre o fato e a atriz interpretando a cantora explicava o incidente com essa piada sobre seu dedo do meio: “Eu queria mostrar que eu estava brava sobre uma situação que eu aceitei fazer voluntariamente”. Não podia ser mais verdade.

M.I.A. sente uma necessidade real de ser a porta-voz de seu país no ocidente, de ser ativista, o que faz todo sentido do mundo e ela tem esse direito. Mas a vontade dela de ser reconhecida como ativista é a mensagem que fica do documentário e isso me soou um pouco problemático, mas aí já é outra história.

Quando ela lançou o clipe de “Borders“, falando sobre imigrantes ilegais, lembro de um amigo dizer que o clipe era lindo e necessário, mas era basicamente a cantora posando na frente do caos. “Nesse caso, qual a diferença entre M.I.A. e Nana Gouvêa?”, comentou rindo. O mesmo comentário pode ser feito sobre “American Life”, se você pensar, sem querer diminuir nenhum dos dois trabalhos. Mas é cada diva falando sobre o que conhece, sobre um momento de seu país, sobre aquilo que é importante para elas. E vamos lá, “Give Me All Your Luvin” está mesmo longe de ser uma música política, mas uma “Bucky Done Gun” também não é, e ninguém vê problema nisso.

Screen Shot 2018-11-08 at 18.05.54
M.I.A. gravando com Madonna: além de “Give Me All Your Luving” elas cantam juntas em “Birthday Song”, gravada no aniversário da M.I.A., de presente pra ela.

Na cena de comparação de clipes, a plateia do cinema riu de um clipe e aplaudiu o outro, se esquecendo que existe uma coisa em comum nos dois: a própria M.I.A. Por isso são quase engraçados os pontos que ela pinça para criticar Madonna: ela se sente superior por não “jogar o jogo” enquanto reclama de não ser ouvida, mas desfruta de inúmeros privilégios e não recusa a oferta de participar da música, do álbum, do clipe e do show de Madonna, uma das maiores popstars vivas do mundo. Isso não é “jogar o jogo”, afinal?

Meu palpite daqui, bem longe de saber a verdade delas, é que no meio de sua infantil vontade de aparecer, M.I.A. queimou a ponte com Madonna e continua botando lenha nas chamas. As duas teriam muito o que conversar ainda e muita música boa – e melhores que a lamentável “Birthday Song” – poderia sair dali. Mas os santos (sejam católicos, hindus ou cabalistas) não bateram.

Screen Shot 2018-10-13 at 20.22.40
“Madonna, hmmm, você me empresta 16 milhões de dólares?”

Por que Gastón é o pior vilão da Disney?

Essa semana um amigo me mandou um textão* sobre como o Gastón, do filme “A Bela e a Fera” é, de fato, o pior vilão de todas as histórias Disney. O lançamento da história em live action reacendeu essa discussão: acontece que ele não é caricato e não tem poderes mágicos ou inúmeros capangas, como um vilão clássico. Gastón é (bastante) real.

Muito se fala sobre a história ser uma interpretação romântica da famosa Síndrome de Estocolmo, que é quando a vítima de um sequestro começa a defender e a ter simpatia por seu sequestrador. Mas não é bem isso.

Howard Ashman, que colaborou na animação original e teve uma enorme influência na história do filme, foi um homem gay que morreu de AIDS logo após o trabalho ser concluído. Se você assistir ao filme com isso em mente, a verdadeira mensagem fica bem clara: Gastón demonstra que os valentões (os “bullies”) são recompensados e amados pela sociedade, desde que eles possuam um certo conjunto de características – enquanto pessoas agradáveis que não são atraentes ou não se comportam dentro de um certo padrão são isoladas. A história de amor entre Bela e a Fera é sobre os dois achando consolo um no outro depois que a sociedade os rejeita – por motivos diferentes.

A cidade inteira acha Bela bonita mas censura essa mania dela de ler livros e tentar alfabetizar crianças, inclusive censura com violência. E a cidade toda tem medo da aparência da Fera e consegue facilmente inventar justificativas para matá-la.

tumblr_m3mmexwzdp1r93hr6o1_250
– Não é certo uma mulher ler. Em breve ela vai começar a ter ideias e a pensar

Já Gastón é um machista, preconceituoso e inculto, adorado pelo povo por ser bonito enquanto também zomba Bela por ler livros, prende o pai dela por ser excêntrico e quer matar a Fera também baseado apenas em sua aparência. E todos apoiam e acompanham Gastón na missão.

A sociedade recompensa esses valentões, porque somos educados para acreditar que suas vítimas é que estão erradas. Que se alguém não se encaixa, então essas pessoas devem sim ser destruídas ou, no mínimo, colocadas em “seus lugares”. A população entra na dança de exaltação à Gastón esquecendo que ele nunca fez nada por aqueles cidadãos e ignorando sua tentativa de assassinar o pai de Bela, por exemplo.

Gastón é aquele coleguinha da escola que enchia a paciência das meninas e fazia piadinha com os meninos gordinhos ou magrelos; é aquele político que acha que homofobia e machismo são coisas naturais da sociedade; é aquele religioso que quer aniquilar qualquer pessoa que tenha uma crença diferente da dele; é aquele pai que proíbe o filho de fazer qualquer coisa que não seja esporte.

Todos nós tivemos e temos um Gastón na nossa vida, uma pessoa cujo comportamento desagradável e ataques é desculpado pelas pessoas ao redor, porque eles são bem sucedidos, ou ricos, ou bonitos, ou bom em esportes, ou por seus pais serem importantes. Aqui acho que nem preciso citar exemplos, né?

Por isso Gastón é o pior de todos os vilões: ele é real e está entre nós.

Screen Shot 2017-03-24 at 11.53.25

*O texto original é de autoria de Adriane St. Pierre e pode ser lido nesse link aqui.

**Para ampliar a discussão sobre o tema, sugiro o documentário “The Mask You Live In”, disponível na Netflix.

Doente de tão sozinha

“Guys and Dolls” é uma comédia da Broadway que até virou filme (com Marlon Brando e Frank Sinatra!) em 1955. Em resumo, a história é sobre um apostador que está sendo perseguido pela polícia e, no meio da bagunça, precisa lidar com sua noiva: já tem 14 anos que eles estão juntos e ela quer logo se casar com ele. Falando assim, parece uma história bobinha, cheia de clichês típicos da época.

A noiva se chama Adelaide e ela é uma cantora de cassino, loira e linda, mas a personagem é meio burra. Sua música principal na história acontece quando ela está lendo um livro que fala que mulheres que passaram dos 30 tem tendências psicossomáticas a ficarem doentes. Logo, ela deduz que essa sua gripe, que não passa nunca, é culpa do cara que não quer casar com ela.

Na mais recente versão de “Guys and Dolls” na Broadway, Adelaide foi interpretada por Lauren Graham (de “Gilmore Girls”) e essa é a versão dela para a canção.

Acho engraçada a cena. O desespero pelo matrimônio chega a ser cômico – e é essa mesma a intenção do roteiro. Mas aí, mais para o final, depois de todas as muitas confusões da história, ela canta praticamente a mesma coisa, mas dessa vez mais devagar, de forma mais pensada, revelando uma letra mais honesta. Aí você entende melhor o desejo dela – e é de partir o coração.

Esse foi o único vídeo que achei dessa versão da música, em uma noite de revival de um teatro.

in other words,
just from sitting alone at a table reserved for two
a person can develop the flu

you can bundle her up in her woolies
and I mean the warmest friend
you can wrap her in sweaters and coats
till it’s more than her brain can stand
if she still gets the feeling she’s naked
from looking at her left hand
a person can develop the flu, oh the flu

a hundred and three point two!
so much virus inside
that her microscope slide
looks like a day at the zoo!

just from wanting her memories in writing
and a story her folks can be told
a person can develop a cold

😦

Eu, (você) e Deus

Comédias românticas são exatamente o contrário do que um filme devia ser: inesperado. O miolo da história sempre é bastante variado, mas desde o começo você sabe que o casal vai ficar junto no final*. E qual é a graça, então? Exatamente esse meio, ver em que apuros essa história de amor vai passar – ou seja, ver que obstáculos os roteiristas pensaram dessa vez e como os personagens vão superá-los.

(*Eu sei, nem todos, tem aquele lá e aquele outro, mas enfim. Vamos focar aqui.)

Basicamente duas coisas me fazem sentar na cadeira pra ver esse tipo de filme:

– Diversidade de elenco: claro que um Ryan Gosling aqui e ali não faz mal, mas pode apostar que as histórias mais originais estão atrás dos atores não tão clichês para o gênero.

– Diversidade de circunstância: se no trailer o casal se conhece no trabalho ou andando na rua quando um bate no outro e deixam papéis cair no chão eu já estou dormindo. Acho que dá pra ser mais criativo que isso, Hollywood.

“Eu & Deus” (2009) tem exatamente essas duas coisas.

1

Primeiro que o “mocinho” é Jeff Daniels, um ator pra lá de maduro, com zero sex-appeal (se comparado a esses filmes com Emmas Stones da vida) e um bom ator – afinal, vai de “The Newsroom” e “Boa Noite e Boa Sorte” até “Débi & Lóide 2”. Ele interpreta Arlen Faber, um escritor que está comemorando o aniversário de 20 anos de seu best-seller ficando em casa: ele escreveu um livro espiritual para as massas (digamos assim) chamado “Deus & Eu”, algo no mesmo nível de “O Segredo” e “Comer Rezar Amar”. A publicação lhe deu fama internacional e rios de dinheiro, mas desde seu lançamento ele se tornou recluso, metódico, complicado e cético.

A mocinha, no caso, é Lauren Graham, famosa por “Gilmore Girls” e “Parenthood”, a minha terceira razão para ver esse filme. Ela interpreta Elizabeth, uma quiroprata mãe solteira que faz de tudo pra criar um ambiente protegido e cheio de good vibes: de suco detox até cintos de segurança apertados demais.

E o resto é história. Claro que eles se conhecem, e se gostam, e aí tem um conflito, e aí eles superam. Mas é legal acompanhar. É uma comédia romântica abaixo do nível Woody Allen, mas anos luz acima de uma Adam Sandler. Entende? E por trás da crítica à sociedade viciada na auto-ajuda barata, o filme acaba trazendo alguns conselhos que valem à pena prestar atenção.

Enfim, fica aí minha singela dica. Cliquei nele de bobeira na Netflix esses dias e foi uma agradável surpresa.

PS: O dono da livraria (Lou Taylor Pucci) e o carteiro (Tony Hale, de “Veep”) também são personagens bem interessantes – cada um de um jeito bem diferente.

Não sou nem curto afeminados

Fiquei alguns dias organizando as ideias desse texto – era algo que queria muito escrever sobre. Com o tal beijo gay no capítulo final da novela “Amor à Vida”, achei apropriado publicar e adicionar o assunto a ele. Imagino que as palavras abaixo estejam cheias de erros técnicos – não sou estudioso de psicologia e sexualidade -, mas acho que meus achismos valem um pouco, então aí estão eles :}

O que é ser gay?
Antes de tudo, qual é o núcleo da homossexualidade? Se sentir atraído por um indivíduo do mesmo gênero que o seu. Todo o resto é comentário.

“Se o cara se veste de mulher mas tem tesão em mulheres, é hétero? Se ele transa com mulheres mas pensa em homens durante o sexo, é gay?”. Pra mim, tudo isso ainda é comentário, cada caso tem suas particularidades. Mas o que importa nesse ponto é o conceito frio de ser gay, que é esse: se sentir atraído pelo mesmo sexo. Fim.

Inclusive deu praticamente isso na pequena enquete que fiz no meu Facebook.

enquete

Gosto muito da resposta sobre identidade social: um médico é um médico, um médico que é gay é um médico-gay. O “um” sempre acaba representando o grupo todo. Que perigo.

“Ser gay não é só se sentir atraído pelo mesmo sexo”, me dizem sempre, “é mais que isso, é um posicionamento, uma identidade, um estilo de vida”. Ok, quais? Nessa hora os que não fogem da pergunta respondem sempre coisas diferentes…

O que é a cultura gay?
O conceito da Cultura LGBT é fácil: é a cultura comum e partilhada por lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros. Ok, mas e aí? O que há de comum entre todos os gays além de que eles são gays?

Bom, se eu te perguntar qual é a cultura de Minas Gerais, o meu estado, é capaz de alguém responder na ponta da língua: pão de queijo, Aleijadinho, Carlos Drummond de Andrade. Isso significa que todo mineiro gosta e conhece todas essas coisas? Claro que não. É um estado muito grande pra generalizar todos dentro desses três itens – há muito mais na cultura de Minas.

É a mesma coisa. Ser gay é “só uma das” característica da pessoa, ela não necessariamente compartilha interesses e características com todo o grupo além dessa. Já até escrevi nesse blog sobre gays que não apoiam o casamento gay! É difícil rotular a cultura gay: qualquer item que você usar (um comportamento, uma roupa, um representante) vai ter alguém pra gritar: “ei, eu discordo!”.

eita2
“Aqui é Parada Gay, não a Parada Lady Gaga. Ela não é uma representante para nós. Ela não é lésbica, ela não é gay. Só gostar da gente não te faz parte do nosso grupo. Você é uma mulher hétero, você não sabe nada sobre bullying. Você não sabe o que a gente passa.” Hum, será?

Esse gigantesco grupo que chamam de “gays” é cheio de sub-grupos. Barbies, ursos, emos, poc-pocs, indies, modernos, dykes, tuchas, sapatilhas, mini-lésbicas e caminhoneiras são apenas alguns deles. Por mais plural que isso pareça, cada grupo pode ser muito fechado, o que causa um certo estranhamento.

Não é difícil ver gays falando mal de lésbicas ou de outros gays. Produtos midiáticos (novelas, séries, filmes, livros) acabam sendo propagandas que vendem estilos de vida e não é impossível conhecer negros homofóbicos, lésbicas racistas, gays machistas. Triste, mas é verdade.

E aí que entra todo o straight acting
Dentro do meio gay há um grupo de pessoas que gosta de se rotular “st8 acting”. São gays que se dizem “não parecer gays”. Em teoria, agem como héteros. Já conversei com alguns e eles geralmente citam coisas como “não gosto de boate, não gosto de Madonna, não falo fino, não desmunheco, malho, assisto futebol, bebo cerveja”. Coisas assim. Eles acreditam, mais do que ninguém, no pacotinho que esses produtos midiáticos rotularam como “gay”.

Quando mudei pra São Paulo e falava que era mineiro, muitos exclamavam: “Nossa, mas você não parece mineiro!”. E parecia que estavam no aguardo de um agradecimento meu. É um elogio falar a alguém que ele não parece ser algo que ele é? Como é um mineiro, gente, me digam?

Agora: como é um gay, gente, me diz?

gays
Quando alguém usa a palavra “gay” em quê você pensa? Resposta certa: não há resposta certa

O que há por trás dessa galerinha que se acha superior por não parecer gay é essa imagem aí em cima. O que chega da comunidade gay para fora dela não representa todos. NUNCA REPRESENTARÁ. E existe um medo até compreensível de que os outros vão achar que sou algo que não sou. Eles realmente acham que “todo gay curte boate”, por exemplo. “Logo, se eu não curto, não sou tão gay assim”. Ahm?!

O que é empacotado como “gay” e vendido para não-gays não representará todo o grupo, mesmo que seja numa série como “Looking” ou numa novela com beijo gay no final. Em uma carta aberta aos humoristas brasileiros, Alex Castro escreveu:

Quando uma pessoa gay é agredida com uma lâmpada na Av. Paulista, a equipe de criação do Zorra Total não pode levantar as mãos e se declarar inocentes. E nem quem assiste e ri. (fonte)

Eles está coberto de razão nesse ponto. E esses gays que rejeitam rótulos são tão vítimas desse tipo de coisa quanto todos os outros – têm medo de ter sua imagem associada aos pacotinhos e, temendo a ignorância alheia, agem como ignorantes.

Mas calma, talvez essas pessoas que se acham “menos gays” não achem isso por causa da mídia, mas se baseiam é nos gays ao seu redor mesmo, nos homossexuais que eles conhecem. Hum…

O que fazer se eu sou um gay “não-afeminado” então?
Bom, meu amigo, a primeira coisa é parar de se achar superior. Como aprendemos no primeiro item desse texto, se gosta de gente do mesmo sexo é gay e fim. Agir como hétero não te faz menos gay por definição. Talvez deixe sua vida mais fluida, menos caótica (pois atrai menos olhares julgadores e, assim, corre menos risco de levar surra de lâmpada na cara ou de canos enfiados na sua perna ou de Bíblia), mas não te torna menos gay.

A segunda coisa que você precisa fazer é SAIR DO ARMÁRIO PRA TODO MUNDO (e aqui tem umas dicas). Se você não gosta da imagem que as pessoas têm dos gays é responsabilidade sua mostrar que existem vários tipos de gays no mundo. Não tem nada que exija mais coragem de um homem do que ele viver sua verdade todos os dias o dia todo. Mas não esqueça que quando alguém falar “nossa, você nem parece gay!” isso não é um elogio.

Ser gay e querer ser menos gay é, com certeza, um problema. Mas não tem problema apenas discordar de algo que a então chamada cultura gay “impõe”. Eu não baixei o novo episódio de “Glee”, mas durmo tranquilo. Ninguém vai caçar minha carteirinha de gay por isso.

E no caso das vítimas desse preconceito bobo, os gays afeminados, cabem a eles também mostrar que são mais do que apenas isso. Cada um vai descobrir seu jeito de mostrar como.

Beijo gay pode sim, mas tem um porém
A importância de um beijo gay na novela é qual? Já teve beijo gay em tantos filmes, programas e séries…

Mas meus avós não baixam série, não têm TV a cabo, não vão ao cinema. (…) Se ele [meu avô] achou um absurdo, uma pouca vergonha, ou normal, ou bonito, ou diferente, a verdade é que ele viu para poder achar. Ele pôde ver. Contra a vontade ou não. Mas viu algo que faz parte da sociedade, mas que não fazia parte da casa dele. Um beijo gay na sala de estar da casa dos meus avós? Impossível. Até ontem. Se a Globo mostrou isso pros meus avós foi porque já não dava mais para esconder. (fonte)

É isso.

Claro que o ideal é um beijo entre gays ser chamado apenas de beijo (ninguém fala que no filme tem um “beijo negro”, né?), mas esse capítulo final de “Amor à Vida” foi, definitivamente, um começo. A estrada tá aí pra ser percorrida.

_matisyahu_detail_image
O tal beijo gay: não vale reclamar que foi fraco. Mas vale perguntar: quando chamaremos apenas de beijo?

O problema é que foi o primeiro e, pra amenizar, foi preciso reforçar umas ideias polêmicas. Afinal, a vida é linda quando você é um gay forte, branco, bonito e rico, mas essa não é a realidade de muitos. Verdade, mas lembra o que falei antes? O que chega da comunidade gay para fora dela não representará nunca todos (especialmente se quem está escrevendo, atuando e transmitindo não é, “em essência”, gay). Você pode ter um programa de sucesso como “Cosby”, “Everybody Hates Chris” ou “My Wife and Kids” no horário nobre por várias temporadas, mas não pode dizer que esses programas “representam toda a comunidade negra”. É a mesma coisa aqui.

Não se chega a lugar nenhum respeitando de cabeça baixa uma cultura que te oprime. Mas, por mais heteronormativo que tenha sido o fim dos personagens da novela, temos que começar de algum lugar, certo?

Não somos uma minoria. Somos?
Sabe o que é mais legal do que fazer todo mundo ver um gay se beijar? É fazer todo mundo parar com essa palhaçada de tratar gays como marginais.

Quando dizem que negros ou mulheres ou gays são minoria, não querem dizer em quantidade no mundo. Mas sim em representatividade política. Mudanças profundas na sociedade são lentas, podem começar na novelinha, mas podem ser bem aceleradas se tivermos, no poder, políticos que lutem pelas causas gays. Pense nisso nas próximas eleições e fique de olho nos vira-folha que prometem uma coisa para os eleitores gays e exatamente o contrário para os eleitores evangélicos, por exemplo.

3
Jean Wyllys: eleito em 2010 para mandato de deputado federal; Harvey Milk: primeiro homem abertamente gay a ser eleito a um cargo público na Califórnia, como supervisor da cidade de São Francisco; Amanda Simpson: uma das primeiras transexuais a integrar o governo federal dos EUA, no Departamento de Comércio.

Resposta genética?
Inclusive pois acredita-se muito que a formação de sua identidade sexual tem a ver com a cultura ao seu redor, ao tipo de coisa que você é exposto, ao tratamento recebido pelos seus pais. Mas, nos últimos anos, pesquisadores começaram a apontar que a formação da sexualidade acontece antes do nascimento – em parte pelos genes, mas também por fatores que atuam no desenvolvimento do feto. Ainda falta muito a ser desvendado, mas as evidências estão causando uma revolução no pensamento científico. E, se comprovadas, poderão subverter simplesmente todas as noções básicas que a sociedade atual construiu ao redor dos gays. (fonte)

tumblr_lri1x1TmCD1qzi8igo1_500
“Meu nome é Brock, tenho 7 anos de idade, e me considero do tipo diva”

Homofóbicos e religiosos homofóbicos gostam muito de argumentar que o mundo nunca teve tanto gay antes, pois agora estamos tratando “essa doença como algo normal”. Mas é justamente o contrário. É impossível ter dados técnicos, mas eu apostaria que o número de gays hoje e em 1489 é quase o mesmo, mas agora as pessoas se sentem confortáveis para serem elas mesmas.

Quem são os homofóbicos? Alguns estudos indicam que são pessoas conservadoras, rígidas, favoráveis à manutenção dos papéis sexuais tradicionais. (…) A homofobia reforça a frágil heterossexualidade de muitos homens. Ela é, então, um mecanismo de defesa psíquica, uma estratégia para evitar o reconhecimento de uma parte inaceitável de si.

Dirigir a própria agressividade contra os homossexuais é um modo de exteriorizar o conflito e torná-lo suportável. E pode ter também uma função social: um heterossexual exprime seus preconceitos contra os gays para ganhar a aprovação dos outros e aumentar a confiança em si. (Regina Navarro)

E eu com isso?
Quando eu comecei a perceber que gostava de meninos, foi muito dolorido. Não sabia o que era gay ou sexo, me achava uma aberração, achava que era o único assim no mundo. Ter gays em filmes e novelas, mesmo que agindo “como héteros”, já ajuda a naturalizar isso. Essa crescente inclusão de gays nos pacotinhos midiáticos pode (e acredito que vai) ajudar a economizar dor, desgaste familiar e dinheiro em terapia.

Não há nada de errado em ser gay, então não seja um babaca.

Pra quem quiser continuar a reflexão, outros três textos meus:
Gays que gostam de futebol
Pensando com Laerte
Daniela Mercury não me representa

Beijos (na boca ou no ombro, mas beijos)

Cada mergulho é um flash

The-Bling-Ring-Official-Movie-Trailer2

Há quem pense que para invadir a mansão de uma celebridade milionária seja necessário um mapa da casa, assaltantes profissionais, roupas pretas, escutas, cordas e cortadores de vidro. Nada disso. Bastam meia dúzia de adolescentes, Google Maps, blogs de fofoca e uma porta ou janela destrancadas.

Em “The Bling Ring” a diretora Sofia Coppola conta a história de uma onda de roubos de Los Angeles do ponto de vista dos ladrões. Tudo começa com uma menina que tem como hobby testar se carros estacionados na rua estão trancados ou não – geralmente há uma surpresa naqueles que não estão: dinheiro, carteiras, bolsas e até cocaína. Disso para a vontade de testar a mesma coisa com casas foi um pulo.

Morando em Los Angeles, a cidade com mais artistas de cinema dos EUA, basta jogar num site de busca o nome da sua vítima e ver se ela está na cidade ou não. Ou seja, se a casa estará vazia. Não custa nada pegar seu carro e ver de perto a casa do Orlando Bloom, certo? Se a porta da cozinha estiver aberta, a gente entra e pega alguns relógios. Custa nada testar se Paris Hilton é tão burra quanto parece e deixa a chave de casa embaixo do tapete, né? E se você puder levar suas amigas juntos será ainda mais divertido.

E por aí vai. Conhecer a casa dessas celebridades que elas almejam ser se mistura com a adrenalina de roubar seus pertences – e, com isso, dividir um pouco de seu estilo de vida. Afinal, “coisas” são os únicos pontos em comum que elas conseguem ter com Angelina Jolie, por exemplo.

Não eram experts com anos de experiência em furtos: era um grupo de amigos que, de repente, tinha muito dinheiro, muitas roupas caras e muitas baladas na agenda, tudo bem documentando em várias fotos nas suas redes sociais. E, com isso, se viram rodeados de pequenos luxos (como entrar sem fila nas boates) e famas (como ter 800 novos amigos no Facebook de um dia pro outro). Um reflexo interessante e maximizado de uma grande parte de uma geração criada a mimos, remédios para DDA e filosofias new-age. O fato de que a verdadeira Paris Hilton topou aparecer no filme e cedeu sua verdadeira casa para as filmagens apenas completa esse círculo.

“The Bling Ring” é um caso curioso de filme com final óbvio que não achamos ruim. Seja pela matéria na Vanity Fair em que o longa foi baseado ou seja pelo próprio trailer, sabemos que todos terminam na cadeia. Mas é o “decorrer” do filme que importa. E se você achou “Em Algum Lugar” (Somewhere, 2011) muito parado, essa narrativa não deixa a desejar: conta a história com fluidez e rega tudo com o infame sotaque de Los Angeles, Kanye West no último volume e comportamentos que de tão inconsequentes chegam a ser engraçados. Ah, claro, e com Emma Watson no elenco, mais linda do que nunca.

No fim, é uma crônica poética sobre ladrões do séculos XXI. Não sei se um drama agridoce ou uma comédia de costumes ricos. Mas é bom.

Uma família da pesada

(Adianto: o texto está cheio de spoilers. Não leia se não tiver visto o filme ou se planeja vê-lo)

No começo dessa semana resolvi ver “Elena”, um documentário que está sendo super falado e premiado por aí. Eu não fazia ideia alguma do que se tratava o longa e fui surpreendido – não exatamente no bom sentido dessa palavra.

A menina do título, depois de muita experimentação com câmeras e dança, viaja para Nova York com o mesmo sonho da mãe: ser atriz de cinema. Para trás deixa o Brasil, a mãe e Petra, sua irmã de 7 anos. As coisas não vão como o planejado e ela deixa a cidade norte-americana apenas para descobrir, aqui, que foi aceita em um curso por lá. Então, volta ao país, agora com a família.

As coisas não vão bem: Petra não se acostuma com sua american life e, repito, aos 7 anos, costuma cortar seus pulsos com faca na volta da escolinha – e coloca band-ais em partes do corpo que estão perfeitas para chamar atenção. Em paralelo, Elena se sente triste e sozinha no mundo das artes e com as diferenças culturais – e por isso decide se matar (dedução minha, não ficam claros no documentário os motivos).

Até aqui já basta: é uma história digna de tirar lágrimas da plateia. Mas me surpreendeu que muita gente parou a análise por aí.

Quem dirige o longa, adivinhem só, é a própria Petra. Duas décadas mais tarde, foi ela quem se tornou atriz e embarcou para Nova York em busca de Elena – seguindo fitas de vídeo e áudio, recortes de jornais, trechos de diários e cartas da irmã.

Curioso ver ao longo do passar da história como elas se confundem. Já ouvi casos de gente que, depois de perder um irmão, herdou a personalidade do parente que se foi. Além disso, as duas partilhavam uma atração pela dor e a própria Petra lê um documento em que é avaliada como uma criança depressiva.

Mas o mais bizarro, para mim, veio no fim do doc: a mãe explica seu sofrimento de perder a filha contando que tinha vontade de se jogar de um precipício, de carro, com a outra filha no banco do passageiro. Além disso, lembra de um desenho feito por Elena dizendo que ele era “muito parecido com um que eu fiz aos 16 anos, quando também estava pensando em me matar”.

Fiquei pensando nessa hora se tendência a suicídio pode ser algo genético, se é alguma coisa que pode ser passada pela criação ou se cada pessoa toma sua decisão baseada em algo 100% diferente dos outros. Temos, no fim, três atrizes frustradas com desejos de colocar fim à própria vida. Isso não pode ser coincidência.

Para boa parte dos especialistas, a genética tem um efeito sobre o risco de suicídio sim. Mas tem mais a ver com a hereditariedade da condição e/ou doença mental que o causou. De qualquer forma, o filme trouxe essa reflexão para mim, além de ter trazido memórias ruins de momentos complicados e pesados que lidei na minha adolescência. Vai sofrer muito com este filme quem conheceu alguém que se matou, que tentou ou quem já quis finalizar a própria vida.

A cena final de Petra com a mãe flutuando na água é bizarra sob este ponto de vista: são as duas finalmente em paz com a perda de um ente querido, mas parece ser, ao mesmo tempo, a paz de terem conseguido, finalmente, estrelar um filme. É quase cruel.

“Elena” entrou com louvor na minha longa lista de filmes que eu gostei, mas que não recomendo para absolutamente ninguém.

Topo do pescoço versus meio das pernas

tomboy

Acabei de ver “Tomboy”, um filme francês sobre uma menina que aproveita a mudança de casa e escola para se apresentar às crianças vizinhas como um menino. Aparentemente, não é a primeira vez que ela faz isso – e seu comportamento diferente já tinha chamado atenção dos pais, que pareciam compreender a criança na medida do possível. Eles não criam caso, por exemplo, com suas regatas e seu quarto pintado de azul.

Sem querer contar o fim do filme, digo que não fica muito claro se é a história de um indivíduo transgênero de nascença ou (e é o que o título sugere) de uma criança lésbica que não conhece sua homossexualidade – já que é comum crianças homossexuais, sem saber que gostar de alguém do mesmo sexo é permitido, queiram pertencer ao sexo oposto. Mas no caso dos trans, desde sempre, sabem que o que há no topo do pescoço não combina com o que há entre as pernas. E aí a questão é muito mais ampla.

De qualquer forma, o filme da diretora Céline Sciamma me fez lembrar de uma matéria muito interessante sobre o assunto, no programa ” 20/20″, da ABC, com a jornalista Barbara Walters. Ela entrevista famílias, crianças, especialistas e trata tudo com a naturalidade e delicadeza que o assunto merece.

Ah, um outro filme legal: “Transamerica”, de 2005, com Felicity Huffman.

As vantagens de ser você mesmo

Eu já chorei vendo filmes. Vários. Geralmente no final deles. Mas esse “The Perks of Being a Wallflower” (“As Vantagens de Ser Invisível”) foi do começo ao fim, sem parar.

Não sei exatamente o que me comoveu tanto. Tê-lo visto depois de uma semana peculiarmente complicada e em um sábado chuvoso pode ter ajudado. Mas é que ele se comunicou diretamente com o Gabriel de 16 anos que ainda existe dentro de mim. A história seria, em um grande resumo, sobre um grupo formado pelos impopulares do colégio. Mas é bem mais que isso, é uma história sobre pessoas que não são comuns e que não se sentem pertencentes a algo – seja ao colégio, à própria família, à própria sexualidade, ao próprio relacionamento, às suas próprias emoções e sentimentos. E quem nunca se viu em uma dessas, certo?

Lembro bem do começo da minha adolescência e me vi muito no filme. A vida e o futuro eram incógnitas (ainda são, mas isso talvez cause menos desespero hoje) e eu me sentia tão perdido quanto aqueles personagens. Me sentia invisível em certos cenários, tinha frustrações idiotas, uma memória seletiva sabotadora, um horror. Agora, alguns anos depois, saí do cinema sob um céu cinza, me sentido muito sozinho e com a cuca cheia de dúvidas e de algumas certezas também. É que me deixei levar pelo filme, me entreguei de verdade, e foi bom isso. Não lembro a última fiz que fiz algo assim e me fez bem. Chorei lágrimas dessa semana misturadas com algumas que eu parecia estar segundo há anos.

O filme tem tudo – incluindo a atriz da série Harry Potter – para virar uma modinha entre adolescentes que vão aos seus tumblrs dizer “OMG my favorite movie ever” (tinha um grupo na minha sala que aplaudiu a tela quando ela apareceu), mas ele é mais profundo do que parece. Vale muito dar uma chance. E dica: não ligue para o pôster e nem veja o trailer, talvez seja melhor assistir o filme assim, com a mente em branco.

Em algum lugar por aqui

Acabei de ver “Somewhere” e chorei em algumas cenas, viu? É um belo filme e cuja trilha sonora consegue arrancar lágrimas de tão bem pontuada. Mas uma outra coisa me chamou a atenção. A relação da menina com o pai lembra muito a minha com o meu pai. Claro que meu pai não era famoso ou rico e era ainda menos presente que o moço do filme, mas o tipo de relação é quase igual – pois o personagem é bem parecido com meu pai: bobo, mentiroso, distante e quase álcoolatra. O abismo intelectual que Cleo tem diante de Johnny é diferente, mas quase do mesmo tamanho daquele que eu tinha com meu pai. Aquele abismo que me deixava abobado. Eu ficava olhando para ele, tentando tomar coragem pra pular, mas eu ia cair se eu tentasse. Era melhor ficar cada um numa beirada mesmo, gritando. Mas aí eu fiquei rouco, parei de tentar ser ouvido, saí da beirada e fui pra casa.

Curtindo a vida, por enquanto

“Ferris Bueller’s Day Off”, no Brasil conhecido como “Curtindo a Vida Adoidado”, é um desses filmes oitentistas que todo mundo adora e faz questão que todos ao redor tenham visto e também adorem. Nunca tinha visto e, cansado dessa pressão, fui ver de qual era a desse filme. Não tive surpresa nenhuma: como suspeitava, não é lá grandes coisas…

(Em tempo: Não tratar clássicos com sacralidade é algo perigoso, eu sei. Mas o poder da propaganda é forte e eu sei que, na mais rasa das análises, é fácil ver como o longa é escasso em conteúdo, bobinho mesmo. E que saber que não trata-se de uma obra-prima não quer dizer que precisam detestar o filme ou que não poderão mais gostar dele. Longe disso! Assim como acontece na música, saber que é ruim é diferente de não gostar; as duas coisas podem coexistir. Mas veja bem: quando chamo “Curtindo a Vida Adoidado” de escasso em conteúdo sei que nem todos os filmes precisam ser profundos e questionadores e cultos; eles podem ser apenas divertidos, e engraçados e de entretenimento. Minha questão aqui é que este longa falha um pouco até nisso. Vou chegar lá)

O tal Bueller do título, interpretado por Matthew Broderick, é um adolescente que decide matar aula para aproveitar o dia e se finge de doente com para os pais. Ao longo do dia, ao lado da namorada e de seu melhor amigo, foge do diretor da escola e lida com a inveja da irmã mais velha, que odeia o fato dele sempre conseguir se livrar dos problemas com facilidade.

O roteiro e a direção transformam todos os acontecimentos em épicos; cabular aula é a coisa mais importante do mundo. Isso torna tudo propositalmente exagerado e deixa a história ótima e engraçada para a maioria, mas foi isso o que mais me irritou.

No final das contas, é apenas a história de um garoto mimado e inconsequente que é popular e que, por isso, faz tudo o que quer – incluindo aí tratar seus pais como idiotas e meros obstáculos para suas vontades, tratar a namoradinha como acessório e seu melhor amigo como um mero facilitador para o tal plano (uma amizade sustentada pelo fato dele ter dinheiro e um carro, por exemplo) e também como uma simples escada para chamar a atenção ainda mais para si mesmo.

Reflexo de uma sociedade e representação fiel de um tipinho que realmente existente aos montes nos colégios. Mas é que essa não foi nem é a minha vida, e por isso esse não é nem nunca será o meu filme.

Na escola, ou você recebe ou você manda bolinhas de papel. E quem as recebia não pode achar que esse filme é legal – especialmente porque essa bolinhas nunca somem, apenas tomam outra forma na medida que você cresce e passa pela faculdade e entra no mercado de trabalho. É exatamente esse tipo de gente – que não se importa de verdade com nada além de si – quem está trazendo verdadeiro caos ao mundo, em vários níveis, de mal estar nos escritórios até poluição em rios. Entende o que quero dizer? É um estilo de vida e de business baseado no “a parte chata eu deixo pros outros”, “a parte ruim os outros fazem pra mim”.

Quer dizer, vamos todos fazer uma roda e cantar um ode à desigualdade e aos privilégios sem mérito? Não, obrigado.

Scott Pilgrim, seu lindo

Depois de muita enrolação, “Scott Pilgrim Contra o Mundo” não chegou aos cinemas brasileiros como um filme bem distribuído. Mas sabemos que isso não impede ninguém de nada. (Como é de praxe hoje em dia, consegui assisti-lo baixando ilegalmente pela internet. Legendado, com qualidade de DVD e tudo. Chupa essa, Paramount).

A premissa é simples: um menino no final de sua adolescência, naquela fase em que o que é considerado infantil e maduro se mistura, está querendo uma garota nova na cidade. Trata-se de Scott Pilgrim e Ramona Flowers. A parte da fantasia da história entra quando percebemos que, além de se apropriar de muitos recursos dos quadrinhos, o filme usa ícones de vídeo-game para descrever a tarefa máxima do longa: Scott deve derrotar os sete ex-namorados malvados da moça.

É igual na vida real, onde a bagagem do outro acaba perseguindo os dois, mas o longa é gênio na maneira que trata isso. É um épico para quem nunca participou de protestos importantes ou deixou a família para trás e foi pra guerra. É a aventura máxima de quem foi criado em casa, no seu quarto, querendo distância dos pais, jogando games e vendo TV. Por isso dialoga de forma tão precisa com seu público alvo. Todo nós nos sentimos como ele alguma vez na vida: quando nos sentimos menores do que os ex-namorados da pessoa que está com a gente agora, quando não sabemos o que falar para a nova namorada diante da antiga, quando começamos a gostar de outra pessoa enquanto ainda estamos com outra, quando trabalhamos juntos da ex etc.

É fantasioso, claro, mas exatamente por isso muito divertido. Tem muita luta e a dor dos socos são reais, mas não adianta sangrar muito pois é só dar reset que a luta começa de novo – boa metáfora para a vida real, não? Mas o roteiro é bom, as piadas são boas e a edição é brilhante – sério, esse filme precisa levar algum prêmio de montagem, pois é uma mistura muito linda de Matthew Vaughn e Michael Gondry. E a trilha? Tem Beck, Broken Social Scene, T. Rex, Rolling Stones, Black Lips e Metric.

A história é de Scott, Ramona e dos ex-namorados, no máximo. Mas todos os personagens secundários são ótimos. A ex-namoradinha chinesa, os membros da banda, o roomate gay – e sua habilidade incrível de digitar SMSs. “Scott Pilgrim” entra na lista dos melhores filmes, digamos, nerds. Junto com “Superbad”, “Kick-Ass” e outros assim, inocentes diante da gama de filmes bem mais importantes lançados ao mesmo tempo, mas que marcam a gente pois fazem uma crônica muito bem feita da rotina e das fantasias de uma geração.

Os normais

Estou aproveitando todos os meus momentos vagos para ver todos – sim, eu ousei dizer todos – os filmes que quis ver e ainda não pude. Alugando, baixando, pegando emprestado, estou tentando passar pelas minhas vistas os requisitados clássicos, como “Duck Soup”, até alguns títulos mais novos, como “Os Excêntricos Tenenbaums”.

A família Tenenbaum é, literalmente, genial. Chas é um investidor pleno aos 11 anos; Ritchie é um fenômeno do tênis e Margot, adotada, é uma dramaturga que escreve sua primeira peça aos 9 anos. Já Royal, o pai, é um canalhão que, chutado para fora de casa pela esposa, Ethel, vai à falência. Respectivamente, estamos falando de Ben Stiller, Luke Wilson, Gwyneth Paltrow, Gene Hackman e Anjelica Huston. Além deles, temos Bill Murray e Owen Wilson no elenco.

A primeira questão é que uma vez genial nem sempre genial. Os filhos, já adultos, somam alguns traumas recentes com a sensação de estarem congelados em seus momentos de glória do passado. Isso é chocante, digamos assim, para o pai, que finge estar para morrer afim de se reaproximar da prole, arrependido de suas sacanagens passadas.

Não é o argumento mais original da história do cinema, mas o desenrolar é magnifíco. É gostoso acompanhar como, a cada momento, as situações parecem ficar mais malucas – como, por exemplo, descobrirmos que um dos irmãos está apaixonado pela irmã adotiva e como um amigo de infância, que sempre quis ser um Tenenbaum, hoje é traficante de drogas.

Wes Anderson, o diretor, conta a história como que em capítulos de livros e cria um cenário muito peculiar e uma imagem bem diferente de Nova York. Aqui, só vemos prédios residenciais, um Central Park vazio e ruas sem táxis amarelos.

Não quero me aprofundar em críticas, apenas deixar registrado como achei esse filme belo – sendo “belo” tudo aquilo que causa alguma reação na gente. É para rir, chorar e se emocionar. Seja por se identificar com todos ou nenhum dos personagens. Como diz o pôster do longa, família não é uma palavra, é uma sentença.

Para ouvir depois de ler: Nazareth – Ruby Tuesday

Orações para todos

Nos Estados Unidos, é muito comum fazerem filmes exclusivamente para a TV. Antes, isso era considerado um trabalho menor, mas hoje não é mais assim. Um filme para TV concorre a prêmios exclusivos e, apesar de não ter reprise, sempre acaba na internet e em DVD. Ironicamente, isso alavanca a audiência. A aposta é de que todo mundo vai comentar do filme no dia seguinte – ou mais cedo ou mais tarde – e antecipar-se à modinho é sempre algo interessante para os americanos.

“Prayers for Bobby”, do ano passado, foi um desses. Produzido pelo Lifetime, que pode ser considerado um canal dedicado às donas de casa, o longa é inspirado no livro “Prayers for Bobby: A Mother’s Coming to Terms with the Suicide of Her Gay Son”, de Leroy Aarons, ainda sem lançamento em português. Um livro que, como o nome diz, conta a história real de uma mãe cujo filho cometeu suicídio depois de sua família não ter aceitado sua homossexualidade.

No elenco está Sigourney Weaver, atriz que ficou famosa nos anos 1980 devido aos filmes de ficção da série “Alien” – hoje com 60 anos de idade. Com esse papel, ela foi indicada para o Emmy de 2009. Ryan Kelley, de 23 anos, nome mais cotado para o filme “Ben 10”, faz o papel do jovem.

Na verdade, a história é mais complexa: a mãe é uma católica fervorosa e todos, inclusive o garoto, começam a história tratando a inclinação sexual “diferente” como uma doença causada por sua falta de fé. Portanto, algo totalmente curável com a leitura da Bíblia, grupo de orações, idas à igreja, pescarias com o pai e o irmão, terapia e, claro, encontros com meninas escolhidas pela mãe – que corrige até a maneira como o garoto caminha.

Bobby tenta, mas não consegue mudar sua maneira de pensar e sua atração por pessoas do mesmo sexo. Sentindo-se preso, decide morar fora um tempo, com sua prima, em outra cidade. Lá, descobre lugares que o aceitam e pessoas que o entendem, incluindo um namorado que lhe é fiel. De volta à sua casa, para mostrar como está feliz, tem seu estilo de vida rejeitado por completo e decide acabar com sua própria vida. O filme parte daí, mostrando o que esse ato causa na estrutura emocional da família.

Não é por acaso que a taxa de suicídios é explosiva entre jovens homossexuais, principalmente entre efeminados e usuários de drogas – legais ou não. Uma coisa estúpida é apanhar na rua porque você é gay, outra é chegar no conforto de seu lar e ouvir um “bem feito”. Não há quem resista a tanta pressão e angústia. Por isso, o rumo do filme é comovente para praticamente qualquer um que o assita. A denúncia ali está muito além de orientação sexual.

No mundo inteiro, todo dia, famílias de todos os credos e classes ainda encurralam seus filhos diante da possibilidade de que eles desenvolvam qualquer tipo de comportamento que não o esperado pelos pais. Isso gera apenas discussão, depressão, desgaste e revolta. Como diz a mãe de Bobby: se antes de julgar, todos procurássemos saber com o que estamos lidando, sob todos os pontos de vista, a vida seria melhor.

Recomendo esse filme – que é facilmente encontrado na web para download. E não é coisa de militância nem nada. Apesar de alguns clichês, o filme não é sentimentalóide e é sóbrio na discussão a que se propõe. A história é comovente e, aposto, está levando muita gente às lágrimas.

Terapia com "O Rei Leão"

Estava pensando em como “O Rei Leão” é um dos meus desenhos animados favoritos. Vi e revi nos cinemas várias vezes e ainda vejo e revejo o DVD sempre que bate vontade. Os traços são lindos – dão emoção aos animais sem que eles pareçam demasiado humanos -, a história é envolvente, colorida, animada e profunda. Profunda até demais.

As lições aprendidas com o “ciclo da vida”, a traição de Scar, a culpa de Simba, o estilo de vida “Hakuna Matata” e a revolta das leoas são metáforas para alguns dos mais complexos movimentos filosóficos ou socias já vistos no planeta.

Exemplos?

Timão diz ao achar Simba no deserto: “Quando o mundo vira as costas para você, você vira as costas para o mundo”. Junto ao Timão, ele ensina que o leãozinho não precisa fazer aquilo ao que foi ensinado só porque foi ensinado assim, que ele tinha outras maneiras de viver.

Quando Rafiki, aquele babuíno, conversa com Simba, já adulto, o leão diz ter vergonha do seu passado, pois não pode mudá-lo. No que o macaco responde com uma paulada na sua cabeça. Ele apela mas ele diz: “Você não pode fazer mais nada agora. Está no passado”. Simba responde: “É, mas ainda dói!”. Nisso, Rafiki vai dar com o bastão na cabeça do felino novamente. Ele, já prevendo isso, desvia. Poxa, tem lição maior do que essa?

Belo filme.