– Cuidado que a batata está muito quente. Mas tá maravilhosa, você vai gostar, vai ser a melhor batata que você já comeu.
Achei muito esquisito o vendedor do McDonald’s me falar isso. Sobrou alguém nessa Av. Paulista que nunca tenha comido uma batata dessa rede de fast-food?
Fiquei pensando se o moço tava passando uma cantada em mim. Vai saber, né? Me sentei e, de fato, a batata estava muito quente mesmo. Então tudo bem, era só o cara fazendo o serviço dele. Preciso parar com esse comportamento meu.

O comportamento que me refiro é o que eu chamo de “ser viciado em seduzir”. O nome é pra ser engraçado mesmo: uma convidada do programa “Casos de Família” foi lá, na televisão aberta, reclamar pro Brasil inteiro que tinha esse problema, que ela era viciada em seduzir. Seja o programa e seus personagens verdadeiros ou não, a foto da moça com a legenda virou um meme hilário e foi assim que descrevi esse comportamento para minha terapeuta.
– É irônico, você não acha?
Perguntei pra ela, sentada do outro lado da sala. O que eu achava irônico era que eu estava lá, semana após semana, tentando resolver problemas de auto estima, especialmente corporal, de imagem. Então me parecia curioso que ao mesmo tempo que eu me achava um lixo, eu prestasse tanta atenção na minha aparência a ponto de sair na rua e ficar com os olhos sempre em movimento, procurando “alguém pra seduzir”.
Ok, essa frase fez parecer algo bem sexual, mas não era necessariamente assim. Eu buscava alguém que pegasse a referência da estampa indie da minha camisa; ou que me olhasse passar com atenção; alguém pra trocar aquele olhar que diz “vi você e, sim, te achei gato”.
– Não acho – respondeu ela como quem dissesse que 2 mais 2 era 4 -, não acho irônico. Como você está preso dentro dessa dinâmica de reprovar tudo que você é e tudo que você faz, você fica sempre olhando pra fora, buscando a aprovação dos outros.
Silêncio na sala. Era óbvio que era isso, fazia sentido mesmo.
Comecei a observar esse comportamento, tendo cada vez mais consciência dele. No começo, eu percebia quando já tinha acontecido e era tarde demais, quando eu já me pegava posando no meio da rua. Mas, a cada dia, comecei a perceber um pouco mais cedo – e comecei a refletir sobre minhas experiências passadas também e o quanto as redes sociais influenciam nesse comportamento. Todo mundo tem aquele amigo que só posta foto da própria cara, por exemplo. Você não tem nada mais pra oferecer pro mundo que sua aparência ou você reprova tanto sua aparência que precisa aliviar essa insegurança recebendo likes dos outros?
Eu sempre tive muitos problemas para aceitar meu corpo no espelho, pra achar roupas que fossem confortáveis e que cobrissem o que eu não gostava em mim, sempre só queria ficar no meu quarto pra evitar ser olhado e pagar mico na rua era meu maior medo. Por outro lado, tive amigos legais e companheiros e aventuras amorosas muito interessantes também. Mas no final, o que me marcava de tudo, era o quanto as pessoas mencionavam meu intelecto.
Parece maluco isso, mas “você é engraçado, você é inteligente, você escreve bem” não me pareciam elogios verdadeiros nunca, sempre pareciam apaziguadores: eu não só não me achava tão inteligente assim, como achava que falavam que eu era inteligente pois não tinham o que mais elogiar em mim. Como se, por eu ser feio, sobrava a inteligência pra ser elogiada, algo que no final das contas é tão subjetivo quanto beleza mas que não é visual, afinal. Quando você se sente mal até quando te elogiam, você entra num ciclo auto-depreciativo realmente sem fim.
Sabe aquela fase da puberdade que você quer passar despercebido e, ao mesmo tempo, quer ser o centro das atenções? É como se essa minha fase tivesse durado 20 anos. Fotos eram poucas e, na época que eu usava aparelho nos dentes, praticamente proibidas – mas eu tinha um Fotolog (quem lembra disso?) cheio de fotos minhas ao mesmo tempo. Eu odiava organizar meus aniversários, não queria fazer, não queria ver ninguém – mas no dia, até passava mal de tanta ansiedade com medo de ninguém aparecer, louco por uma festa muito animada e demonstrações de carinho comigo. Eu não tinha problemas com minha imagem contanto que eu pudesse controlar o que as pessoas viam – tudo bem fotos se tiradas e editadas por mim; tudo bem ser o centro das atenções se for na hora que eu quiser, no lugar que eu escolhi.
E por aí vai.
Terminei meu lanche no McDonald’s e saí do restaurante. Aí vi a janelinha de sobremesas e fui pegar um Sundae de chocolate – pra mim, a melhor calda do Mc. Adivinha quem me atendeu? Sim, o mesmo moço das batatas. Fiz meu pedido, ele me ofereceu “calda extra por mais 1 real” e eu aceitei.
– Ah, não dá pra recusar, né? – me disse ele, novamente super sorridente.
Sorri de volta, peguei o sorvete e fui embora. Enquanto esperava o semáforo de pedestre abrir, me virei e olhei de novo pro atendente. Ele continuava sorridente e continuava olhando pra mim. Sorri de volta e aí fui embora de verdade.
Curtir isso:
Curtir Carregando...