Eu vi as suas fotos pelado no celular dele

– Então é você?!

Ela gritou com uma voz rouca, fazendo um pequeno escândalo na porta do prédio, em direção a ele.

– Eu o quê?

Ele respondeu assustado, com uma certa dúvida se aquela mulher estava falando mesmo com ele. Dava para ver, pelos olhos esbugalhados e fixos nele, que ela estava com seu estado emocional abalado.

– O cara que chupa o pau do Jorge!

Ela gritou alto de novo, agora já chamando atenção das pessoas passando na rua e o deixando extremamente desconfortável, imóvel no caminho que tranquilamente estava fazendo para dentro do prédio em que morava.

– Jorge?

Disse baixo, tentando lembrar de quem se tratava. Ainda não tinha certeza se aquela gritaria era com ele mesmo. Mas ela o ouviu cochichando o nome que tinha dito, então repetiu mais alto, esclarecendo:

– Jorge, o meu marido! Eu li as mensagens que vocês trocaram no celular!

– Ah – ele disse com calma -, um moreno?

– É – ela disse ainda gritando, como se não acreditasse que ele não se recordava quem era -, eu vi as suas fotos pelado no celular dele, seu ridículo!

– Ok, calma, querida.

Ele lembrou do Jorge: um cara que ele conversou em um aplicativo de pegação no final de semana. Eles trocaram algumas fotos mesmo, mas apenas as fotos que ele já tinha dentro do próprio aplicativo, as mesmas que ele mandava pra todo mundo que conversava: uma de rosto, a mesma que usava no perfil do Facebook, uma foto dele em uma festa, e duas fotos dele só de sunga, tiradas numa viagem à praia.

Eles conversaram na madrugada de sexta para sábado da semana passada e combinaram de encontrar para fazer sexo casual. E foi isso que fizeram. Não foi impessoal, mas também não foi especialmente íntimo. Aquele sexo entre dois estranhos com tesão um no corpo do outro, para aliviar a tensão da semana de trabalho. Os dois se chuparam mesmo, os dois transaram sim, os dois gozaram.

Durante esses curtos segundos, ele percebeu a confusão que tinha entrado: Jorge claramente não tinha essa parte da sua sexualidade aberta dentro de casa. Entretanto, era claro que não era novato na coisa: o sexo foi bom e eficiente, ele se preocupou em usar camisinha e tinha até trazido poppers no bolso.

Depois, Jorge foi ao banheiro urinar, vestiu de volta sua roupa e foi embora, logo depois de dar um último gole no copo d’água que tinha pedido assim que chegou no apartamento.

Ontem, ele mandou uma nova mensagem pro Jorge, um simples “oi, quer repetir qualquer dia desses?” e Jorge não respondeu, apesar de estar online na hora. Provavelmente não era ele online, e sim essa mulher, lendo todas as mensagens que foram trocadas – em uma delas, tinha o endereço dele, provavelmente foi assim que ela tinha chegado ali, em sua porta.

– Vem cá – ele disse calmo para ela, abrindo a porta do prédio, já entreaberta, e apontando para os bancos que ficavam na entrada de seu condomínio – senta aqui.

Ela se sentou, ainda exaltada, falando mais baixo, mas ainda de forma aparentemente desorientada:

– Eu num quero nem saber o que…

Ele a interrompe:

– Olha pra mim. Olha pra mim.

Ele estava calmo e ela começou a ficar também. Olhou pra ele inteiro. Suas pernas dobradas com calças jeans, a canela aparecendo e seu sapatênis azul marinho. Sua blusa listrada de mangas longas e seus dedos finos e limpos apoiados nos própios joelhos.

– Se eu soubesse que ele era casado, você acha que eu teria feito isso? Eu não sabia que ele era casado…

Ela falou algo por cima dele, mas ele continuou falando.

– Eu tô com o Jorge tem [inaudível] anos!

– …Mas você sabe quem sabia que ele era casado, né?

Os dois ficaram em silêncio durante o que pareceu uma eternidade. Ela sabia o que ele ia dizer:

– Ele. Ele sabia.

Ela continuou com a mesma cara de exaltada, de quem está prestes a abrir um berreiro, mas ficou em silêncio, e sua respiração estava finalmente normalizando.

– Então, assim: eu vou deixar você falar tudo que você quiser falar comigo, mas antes eu queria te dizer apenas isso. Ele sabia que ele era casado. O que eu fiz não foi uma falta de respeito com você, intencionalmente. Mas o que ele fez é que foi. E alguém assim merece isso?

Os dois ficaram em silêncio. Ela estava sem palavras, então ele continuou:

– Ele merece você aqui, exaltada, tirando satisfação comigo? Eu não tenho nada a ver com essa história. O que ele fez comigo, podia ter feito com qualquer outro cara, qualquer outra mulher, talvez até tenha feito antes. O que importa é o que isso significa pra vocês, o que ele fez com você, tendo feito isso comigo. Entende? Eu não te conheço, e pra ser sincero, eu não conheço ele também, então não tô no lugar de dar conselho algum aqui. Mas se eu fosse você, ia lá falar com ele.

Ela colocou as duas mãos no rosto, como se fosse chorar e não quisesse que ninguém visse. Suspirou alto e resmungou de debaixo das próprias mãos.

– Falar o quê?

– Não sei… Sinceramente, não sei. Não sei se ele é gay e finge que é hétero ou se ele é um hétero que gosta de aventuras… Mas conversando comigo você não vai saber. É só conversando com ele que você vai entender como ele pensa, o que ele gosta, o motivo de ele esconder isso de você, e aí decidir se vale à pena, sabe? E decidir o que vale à pena, tipo, que concessões vocês estão dispostos a fazer um pelo outro… Sei lá. Não sei mais o que estou dizendo. Desculpa.

– Desculpa.

Ele sorriu pra ela, sem mostrar os dentes, que respondeu pra ele:

– Jorge é um filho da puta.

Ele seguia sorrindo de leve.

Eles trocaram um leve e impessoal abraço, de cumplicidade ou empatia.

Ela foi embora.

O perfil de Jorge sumiu do aplicativo.

Fui numa suruba e deu tudo errado

Peguei minha mala – na verdade, uma mochila roxa com três trocas de roupas, algumas cuecas limpas e roupa de cama – e entrei no metrô. Em uma estação, todo mundo ia se encontrar e pegar um ônibus fretado para passarmos um final de semana juntos em um sítio enorme, com piscina e muitos quartos. A gente combinou tudo antes por Facebook. O preço era alto – 250 reais! – mas incluía ida e volta, café da manhã, almoço e jantar todos os dias, o cachê do DJ, e muita bebida – cervejas, vodcas, energéticos e refrigerantes. Sim, eu estava indo pra uma suruba.

*

Eu tinha andado muito pra baixo. Meus últimos relacionamentos (ou tentativas de tê-los) tinham dado muito errado e quase em todos a culpa era minha: ou eu mostrava interesse demais ou mostrava interesse de menos. Já tinha um bom tempo que tudo que eu fazia era ficar em casa vendo TV ou saía com amigos e ficava reclamando da vida o tempo inteiro.

Eu precisava dar uma sacudida e essa ideia do sítio pareceu perfeita: um final de semana inteiro de festa, piscina, diversão, e sem nenhuma série pra assistir e sem a ansiedade de estar logado em apps de pegação, o que me consumia muita energia e zero resultado.

É, mas tinha o lado ruim: se tudo der errado, eu não teria como ir embora sozinho e minha autoestima logo me levou a pensar em como seria se todo mundo arranjasse alguém pra dar uns pegas menos eu. Afinal, não seria uma suruba de fato e nem pegação 24 horas por dia, era só um final de semana de uma festa bem permissiva, digamos assim. Ser o único no sítio dormindo sozinho e indo embora tão desacompanhado quanto cheguei era uma possibilidade muito real – quase inevitável, na verdade.

Cheguei no lugar combinado e não conhecia, literalmente, nenhuma das pessoas ali. Os transeuntes usuais da estação não estavam entendendo nada: de cara, eram impactos por mais ou menos uns 40 gays já bebendo Catuaba e dançando na entrada do metrô. Não era exatamente uma sexta-feira normal pra quem passava ali sempre. Fui tentando me enturmar, conversando com as pessoas e participando da vaquinha da próxima rodada de bebidas enquanto o ônibus não saía. Tinham designers, atores e até professores de matemática ali. Finalmente entramos e automaticamente o grupo se dividiu: foram para o fundo do veículo os que queriam cantar, fazer coreografias e continuar bebendo, e ficaram na frente os que queriam descansar ou conversar entre si.

Papo vai, papo vem, o motorista anuncia que o caminho para o sítio tem árvores muito baixas e que o ônibus não conseguiria seguir até lá. Descem todos, pegam suas malas (sem trocadilhos) e seguimos os últimos metros a pé. No caso, pareceu um milhão de metros, já que tinha chovido no dia anterior e o caminho estava cheio de lama, além de ser bem escuro. Todo mundo trabalhou junto somando lanternas de celulares, andando observando o coleguinha à frente para não pisar em falso. Parecia uma prova do “No Limite” (alguém lembra desse programa?). Nesse momento, lembro de pensar: “meu deus, o que as pessoas [eu incluso] não fazem em troca de uma trepada, né?”

Quando todos chegamos ao famigerado sítio, a cena parecia uma versão 18+ das “Olimpíadas do Faustão”: todo mundo correndo atrás de quartos. Alguns eram coletivos (com 5 ou 6 camas de solteiro) e outros, os mais cobiçados, eram mais reservados (com apenas 2 camas de solteiro ou apenas uma de casal). Fiquei em um com cama de casal, thank you very much.

O som já estava bem alto (todas as músicas feitas pela Anitta ou pelo Justin Bieber na vida deles e em todas as versões possíveis, com todas as variáveis de featurings, remixagens e idiomas) e todo mundo largou as malas (sem trocadilho) nos quartos e foi pra beira da piscina, onde era a pista. Começamos a beber e dançar e foi muito legal. Finalmente todo mundo estava à vontade no mesmo espaço e nos encontramos com os caras que ainda não tínhamos visto – pois alguns foram direto, de carro, pro lugar. Ou seja, agora éramos mais de 50 pessoas, era uma festona de verdade.

Mas ser uma festona de verdade significava que, em muito pouco tempo, já estavam montados grupinhos. É difícil descrever a particularidade de cada um mas, se você os visse, concordaria comigo: “sim, esse cara tem tudo a ver com esse e aquele ali”. O jeito de falar, de agir, de se vestir, tudo isso entra em questão quase que de forma insconsciente e os grupos – que geram tantas brigas “do lado de fora” – são invariavelmente formados nesse ambiente, que foi montado exatamente para descartar um pouco desses rótulos. E o local influencia nisso também: o grupinho que vai fumar, o que vai pra mesa de sinuca, o que vai ficar fazendo drinks etc. Bom, já eu, que não tinha nada a perder e não conhecia ninguém aqui, fui pegar mais cerveja e tentar curtir a noite independente disso.

E curti: lá pras tantas da madrugada, os rótulos sumiram. A piscina refletia a lua enquanto todos dançaram com todos. Dançavam no cantinho, dançavam fazendo coreografias. Bebiam enquanto dançavam, dançavam enquanto beijavam, beijavam enquanto bebiam. Todos juntos. Aqueles gays “discretos”, que fazem carão na boate, dançam e pegam os gays afeminados rebolativos. Ursos pegando magrinhos, bombadinhos pegando nerds. Parecia que, antes de tudo isso acontecer, era importante fazer esse tipo de definição de tribos, só para deixar claro que o final de semana era uma grande exceção. Tipo: “sim, tá todo mundo na mesma, e provavelmente vai todo mundo se pegar em algum momento, mas antes é preciso deixar claro que eu tô mais naquele grupo ali que naquele outro”. Entende o que quero dizer? É quase que um sistema de definição de castas mesmo, antes de todos se misturarem finalmente.

Na verdade, era tudo um final de semana entre novos amigos. A ideia nunca foi rolar uma suruba envolvendo todas as pessoas ao mesmo tempo, claro, eram só gays passando três dias juntos com a premissa de que seria permitido ser sexualmente insinuante, no mínimo. E as pessoas estavam sendo mesmo, mas nada tão diferente de uma balada como tantas outras. Ao invés de conhecer um cara na balada e levá-lo pra um sexo casual em casa depois de dar em cima dele a noite toda, você conhecia na pistinha do sítio mesmo, e levava pro seu quarto ali do lado, se quisesse. Com a possibilidade de, depois, você simplesmente passar um pente no cabelo e voltar pra pista e repetir tudo de novo.

Quando deu umas 5 da manhã, resolvi ir dormir. Mas a música ainda estava muito alta e fiquei acordando toda hora. Às 8 da manhã, cansei de tentar dormir e saí do quarto, decidi tomar café, dar uma andada, mas aí a música parou. Então, depois de comer, voltei pro quarto pra dormir um pouco. Mas antes das 10h já tinha mais música – era sábado de manhã e era “A Hora da Piscina”.

Chamo assim pois era quase que uma atividade mesmo, uma apresentação: estava até sol, mas continuava bem frio, então em teoria ninguém ousaria entrar na água. Mas os gays musculosos já estavam todos de sunga se exibindo dentro e ao redor da piscina, com o restante bebendo ao redor. Era como se fosse um palco e estivesse rolando uma performance ali. Não tinha TV, celular, nada pra fazer. Que mal faz ficar mirando uns boys gostosos com pouca roupa, né não? Nada contra, acho ótimo, é apenas sintomático.

Ouvi dizer que, durante a tarde, rolou de fato uma suruba na outra casa do sítio, a que ficavam os quartos compartilhados. Envolveu aparentemente umas 15 pessoas, mas não vi nem participei. Na hora, eu tava no playground do sítio, fumando maconha no balanço, ao lado do escorregador. Parabéns pra mim.

Na noite de sábado seria a grande festa do final de semana. A organização (que na verdade era um menino só) tinha uma temática definida, o que implicava em uma decoração especial e todos vestidos de acordo com o dress code. Falando assim, parece uma festona foda de BDSM igual vemos em filmes pornôs independentes da Alemanha e que vai todo mundo chegar usando harness e jockstrap de couro, né? Quem me dera. Ao invés disso, o tema era simplesmente “selva”, a decoração eram umas máscara de girafa e leão pregadas na parede, e algumas pessoas estavam vestidas de verde, com “É O Tchan Na Selva” tocando meia dúzia de vezes – sinceramente, não consigo pensar num som menos sexy que esse. Não se fazem mais festas de sexo como antigamente.

Na verdade, pra ser justo, tinha mais que isso: um cara que fez pintura facial pra parecer uma cobra, outros se montaram e apareceram vestidos de drag queen na festa, e alguns dos bombadinhos da piscina estavam fantasiados de Tarzan, com tanguinhas verdes e sem camisa, claro. Eu estava de calça de moletom e casaco, estava gelado pra caralho (sem trocadilhos) e eu sou friorento.

Esse foi o dia mais, qual seria a palavra?, “movimentado” pra mim. Não que eu tenha sido um santo no dia anterior, mas nessa festa a coisa ficou mais pesada. No domingo de manhã, na segunda rodada d’A Hora da Piscina, enquanto muitos tomavam café da manhã, consegui uma carona para voltar mais cedo de carro e fui embora logo depois de almoçar.

Na segunda-feira, por conta do evento de Facebook que foi montado para organizar tudo, vários dos caras me adicionaram na rede. E aí caiu a ficha da cilada que eu tinha caído: um dos caras mais legais do final de semana nunca respondeu a mensagem de “oi” que mandei; um menino mandou inbox falando que se arrependia de não ter vindo falar comigo (cara, a gente estava em um sítio isolado, numa festa de pegação que durou 3 dias, e agora você vem dar em cima de mim via chat?); um dos meninos mais bonitos do rolê era evangélico e estava noivo de uma menina, com um perfil cheio de declarações de amor e fotos juntos. E por aí vai.

Aí entendi aquilo que disse no começo do texto, do final de semana ser uma exceção: eu decidi ir por imaginar que seria uma experiência diferente, algo mais libertador do que eu estava acostumado a ver e experimentar. Mas, pra mim, não foi. Só na volta percebi que, já pra esses outros, super foi. Só que de um jeito que me soava estranho, pois parecia ser uma exceção por eles, aparentemente, não fazerem nada nem remotamente parecido com isso em suas rotinas.

Explico: eu nunca fui numa sauna, e lembro muito bem de um colega descrevendo como funcionava. “É ótimo pois tem uns boys muito gostosos que te dão bola, sabe? Tipo, sabe aquele gostoso da boate que fica fazendo carão e não pega ninguém na balada? Depois da balada ele vai pra sauna e pega todo mundo lá”, comemorou esse amigo de um amigo ao me contar. O curioso é que (por conta da minha autoestima, sei lá?) eu achei a descrição a pior do mundo. Minha interpretação foi que esses “boys gostosos” da sauna vivem nesse mundinho de aparências, de segurar tudo o que têm vontade de fazer pra só fazerem quando ninguém estiver olhando. Na balada (em público) nem me olha, mas na sauna (mais privado) me pega? Assim eu não sei se quero não, independente do contexto.

Eu não sei se eu é que já vi e fiz coisas demais na minha vida, mas o que eu tiro dessa experiência é uma coisa que, na verdade, eu sempre soube: apesar de tudo, as pessoas ainda são extremamente covardes com suas reais vontades, com seus desejos e fetiches, e se permitem explorar muito pouco dessas coisas.

De certa forma, no fim, fiquei meio feliz de ver que o que todo mundo estava tratando como um super acontecimento foi apenas uma festinha caída pra mim. Quem sabe essa experiência seja a primeira (ou uma das primeiras) deles rumo a uma vida menos hipócrita, né? Tomara.

Texto de 2017

É possível gostar de duas pessoas ao mesmo tempo?

Hannah, da série “Girls” (HBO): “Eu não quero um namorado. Eu só quero alguém que queira ficar comigo o tempo todo, me ache a melhor pessoa do mundo e queira fazer sexo só comigo”

Se você abrir aí sua lista no Instagram, é bem provável que tenha um sem número de crushs, né? Várias pessoas interessantes (ou só bonitas mesmo) que você segue para ficar suspirando sempre que abre a timeline. Apesar de sabermos saber disso, muita gente tem dificuldade para dar um passinho a mais e experimentar uma relação a três ou um relacionamento aberto. Ou, menos que isso, temos até dificuldade em entender caso uma pessoa que estamos ficando, mesmo que de forma inconstante, fique com outras pessoas. Nos sentimos traídos até por gente que não tem compromisso com a gente. De onde vem essa insegurança toda?

Somos tão possessivos que inventamos o casamento. É uma coisa incrível: as pessoas estão sempre evoluindo, mudando de opinião e de gosto, mas apesar disso escolhem uma pessoa para passarem o resto da vida juntas – e oficializam essa escolha perante várias testemunhas e envolvendo leis e religiões. Elegem um alguém e acreditam que ele vai evoluir igual, pro mesmo lugar e no mesmo ritmo. Isso devia acontecer, não sei, 4 ou 5 vezes por ano no mundo. Mas acontece com uma frequência infinitamente maior que essa.

E qual o motivo disso? Essas pessoas estão realmente apaixonadas? Bom, de fora não tem como eu saber. O que eu sei é que uma boa parte delas só se casa por acreditar que precisa – não necessariamente por um desejo genuíno de fazê-lo.

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Ariel, a princesa Disney mais trouxa: deixou de ser sereia pra ir correr atrás de homem

Explico: somos seres de cultura. Tudo que somos e gostamos nos foi ensinado. Mas não formamos uma opinião sobre casamento, por exemplo, depois de ir a uma palestra. Formamos nossa opinião sobre o assunto ao longo do tempo, absorvendo o cenário em que somos colocados. A ideia do amor romântico nasce depois de sermos expostos a anos e anos de estímulo a ela, não apenas com o exemplo da relação dos nossos pais, mas também a filmes e livros e novelas em que o final feliz é estar acompanhado. Puxa, até os livros e desenhos infantis ensinam isso! Depois de nascer e crescer ouvindo que essa é a resposta, ninguém tem mais nenhuma dúvida.

E é simplesmente por isso que a ideia de gostar de mais de uma pessoa ao mesmo tempo assusta a maioria. A pressão para fazer uma escolha. A desconfiança de relacionamentos sérios que são abertos ou em trio ou em grupo. A vergonha de ter mais de um amor. A tal da insegurança de dividir a pessoa amada. Tudo um resultado de uma cultura que solidificou a opressão que as religiões trouxeram, cheias de regras e conceitos que não fazem parte do ser humano em estado, digamos, natural:

A liberdade sexual dos primeiros moradores do Brasil seria logo substituída pela noção de transgressão, pelo pudor excessivo, pelas proibições e pelo preconceito – a homofobia, por exemplo, nascia ali. Em que contribuíram os europeus para a sexualidade das Américas além de nos apresentar à culpa?

Tudo o que era possível trazer para cá, em termos sexuais, já era conhecido entre os nativos: homossexualidade, bissexualidade, transexualidade, bigamia, poligamia (…), masturbação mútua, sexo anal, oral, grupal. Sexualmente falando, eram os indígenas os avançados e os homens brancos, os primitivos. Mas foi só chegar a igreja e pronto: a pretexto de civilizar-nos, destruíram milênios de conhecimento autóctone sobre a sexualidade.

As próprias narrativas dos primeiros cronistas são contaminadas pelo puritanismo da época. No México, Hernán Cortés escreveu: “fomos informados de que são todos sodomitas e usam aquele abominável pecado”. O tema da sexualidade, é claro, sofreu censura por parte dos colonizadores, e só recentemente historiadores e arqueólogos têm apresentado descobertas neste campo. Cortés estava bem informado: entre os maias, a homossexualidade era frequente, e uma espécie de rito de passagem da infância para a adolescência (como ocorre, aliás, com tantos homens e mulheres, de forma velada, em todos os tempos).

(…) Na América [do Norte] protestante, a repressão não foi diferente. Muito igualitária, a sociedade Cherokee dava às mulheres postos semelhantes aos dos homens; elas podiam integrar o conselho da tribo e ser guerreiras. O adultério era permitido a ambos os sexos, sem punição, assim como o divórcio: bastava a mulher colocar os pertences do homem para fora da casa.

Havia ainda os transgêneros, encontrados em mais de 150 tribos norte-americanas. Chamados de Two-Spirit (“dois espíritos”) ou “berdaches”, eram homens que gostavam de estar entre as mulheres, fazer as coisas que elas faziam e vestir-se como elas. Ou o contrário: mulheres que gostavam de se vestir como homens. Os primeiros relatos de colonizadores sobre os Two-Spirit aparecem já no século 16. O preconceito contra eles só vai surgir mais tarde, por influência do homem branco. A partir daí, eles passam a ser rejeitados por suas tribos e são marginalizados. (fonte)

Viu?

Interessante pensar nisso a longo prazo: tudo que a gente vê ao nosso redor parece o normal, o natural, pois é tudo o que conhecemos. Mas é legal pensar em mais possibilidade, ousar discordar, buscar outras opções. Nem que seja para ter certeza que não são para você.

Experimentar hoje pode economizar muito sofrimento lá na frente, pois você vai seguir para um futuro onde você tem mais certeza de quem você é e do que realmente gosta. E aí é só alegria.

ADBVoltando à questão de gostar de duas pessoas ao mesmo tempo

A primeira vez que eu li sobre isso foi em “O Anjo de Butes”, livro autobiográfico do artista plástico Fernando Carpaneda, em que ele conta sobre o longo relacionamento que teve em trio, com um cara e uma mulher. Tudo que tinha lido ou visto antes disso terminava com o personagem tendo que fazer uma escolha e aqui não era o caso. Fiquei fascinado. E não era um relacionamento aberto, era um acordo de fidelidade a três. Me pareceu uma ideia muito interessante. Ainda me parece.

O problema é que isso ainda é pouco conversado e aceito. Às vezes você acha essa “novidade” uma ideia interessante, mas ela é descartada de cara pela pessoa ao seu lado, pois ela não foi criada para isso – no sentido de que nada sobre essa lado da moeda lhe foi ensinado, nunca.

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Tirinha do Tiago Silva (Quadrinhos Impossíveis)

Se você buscar aí no Google, vai ver inúmeras pesquisas sobre monogamia ser uma ilusão, sobre orientação sexual que flutua, e vai até achar várias matérias legais sobre amar duas pessoas ao mesmo tempo, até entrevistando especialistas na área, mas sempre com uma conclusão absurda: a de que se você está em um relacionamento e sentindo coisas por uma outra pessoa, isso significa que o seu relacionamento está deficiente em alguma coisa e você encontrou alguém que complete essa falta.

E isso é uma mentira, nem sempre é esse o caso.

As pessoas são diferentes. Elas nos atraem por motivos diferentes. E é por isso que é, sim, possível amar duas pessoas (ou mais!) ao mesmo tempo. Todos os nossos outros amores na vida são plurais. Amamos, ao mesmo tempo, amigos, pais, irmãos. Ter apenas um amor parceiro/cônjuge é uma construção social, como eu disse anteriormente.

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Opções do Facebook para status de relacionamento

Matematicamente falando: uma pessoa te atrai por um grupo de características, outra pessoa por outro grupo. Faz muito mais sentido somar tudo isso que buscar uma pessoa que tenha de uma vez todas as características. Esperar ter tudo em uma pessoa só é praticamente impossível e buscar isso é colocar bastante pressão em cima dela – apesar de ser possível ficar com uma pessoa só se as duas partes estiverem dispostas a ceder e/ou a reprimir certos desejos.

Mas é isso que você quer? A pessoa ao seu lado vale à pena assim? Vale abrir mão de certas coisas por ela? Você sabe do que ela está abrindo mão pra ficar com você? Coloquem tudo isso na balança, na mesa, e conversem de coração aberto e com carinho pra se entenderem.

Contanto que a gente não destrua possibilidades afetivas, precisamos desconstruir essa ideia de amor romântico. O número de variáveis dentro de uma relação é infinito e flertar é uma brincadeira para o ego. Na minha observação, aliás, sempre aconteceu o contrário: os relacionamentos que tive e testemunhei que mais pareciam saudáveis vistos do lado de fora eram, na verdade, os mais malucos. A falta de diálogo e de combinados tem um preço alto – enquanto, como diz o ditado, o que é combinado não sai caro.

Com as cartas na mesa a gente joga melhor: o que pode, pode; o que não pode, não pode. Mas como saber o que pode e o que não pode se nunca conversarmos sobre nossas vontades de forma honesta e aberta? Se ficarmos cada um de um lado, deduzindo o que o outro quer e gosta e pensa, está aí uma relação que não vai mesmo evoluir igual, pro mesmo lugar e nem no mesmo ritmo.

Sei lá.

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O Joelho de Claire
dir. Éric Rohmer
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Alguns dos tipos de relacionamento possíveis

O gay está nu

O projeto Chicos (também assunto desse meu post aqui), que é de dois amigos meus de Belo Horizonte, Rodrigo Ladeira e Fábio Lamounier, mostra nus masculinos de todo tipo. Fui convidado para posar e rapidamente aceitei. Mas do dia do convite ao dia dos cliques pensei muito à respeito. Conversei com um amigo que disse que eu devia posar, com um que tinha posado antes e com um cujo namorado tinha posado para outro projeto. Com todos, debati o motivo da nudez causar tanto desconforto (na gente mesmo e nos outros) e o jogo de ego que inevitavelmente entra em cena. Todo mundo sabe que eu sou o Sr. Problematizador.

O projeto já é famoso na internet, mas é a primeira fase de um ou dois livros impressos e de um documentário em vídeo. Isso já me fez olhar pra toda a experiência de uma outra maneira – é mais que apenas corpos nus, é diálogo e compartilhamento de histórias. Mas eu topei, primeiro, pois tinha vontade. Simples assim. Eu sinto hoje um orgulho do meu corpo (apesar dos pesares) e da minha história (também apesar dos pesares) que nunca senti antes.

Sair do armário não é fácil, especialmente para você mesmo. Do “talvez eu não seja hetero” até o “com certeza sou gay” são várias ideias e conceitos e definições que você sente ou inventa para você mesmo e para o mundo. E se eu puder compartilhar um pouco de tudo isso com pessoas que sentiram o mesmo no passado (ou jovens que estão sentindo o mesmo agora), ótimo. Sinto, inclusive, que se esse blog aqui tem algum propósito para quem lê, é o de debater sobre isso, o de problematizar sobre aquilo que parece determinado ou irreversível e inquestionável, o de incomodar o que está acomodado na gente.

Anos atrás, eu estava saindo com um fotógrafo, ele quis me fotografar nu e eu não deixei. Me achava magro demais e tinha tatuagens inacabadas pelo corpo. Agora vejo como foi uma bobagem isso. Talvez eu nunca vá estar completamente feliz com minha figura, mas eu não devia deixar isso me impedir de estar satisfeito com ela – e desde então aprendi a me aceitar mais. E isso é muito libertador. Tanto que, no dia desse ensaio de agora, eu estava super nervoso ao ir tirando a roupa aos poucos, mas continuei pelado na cama quando a sessão terminou, vendo os cliques na telinha da câmera, já super confortável. Ficar pelado para uma pessoa que você nunca viu pelada de volta e sem pretenções ou contextos sexuais é uma sensação muito complicada de descrever. Muito diferente. E até mesmo isso foi interessante: se vivo defendendo a naturalização do nu, eu devia começar a aplicar isso um pouco mais na minha vida. Quis mostrar meu corpo não por ele ser perfeito, mas por ter feito as pazes com as imperfeições dele. Entre várias coisas, o projeto tenta mostrar a pluralidade do corpo masculino. Também existem padrões de beleza para homens e é tão complicado quebrá-los quanto os femininos – apesar de estarem aportados em características diferentes e, claro, também serem culturais.

Outra coisa que me ajudou bastante foram os caras que namorei e fiquei nessa vida, sabia? É perigoso isso, de colocar na mão dos outros uma auto-aceitação, mas eles me ajudaram: quando eu era adolescente eu me achava feio demais, pensava que ninguém nunca ia gostar de mim. Então essas experiências me fizeram ver que era bobagem o meu pensamento, eu ia achar alguém que ia gostar de mim sim, do jeito que eu fosse, branquelo ou tatuado, magrelo ou malhado. E achei – e tenho achado. Com certeza não tenho e nem terei o “corpo ideal dos filmes e revistas”, mas as pessoas não têm tesão só nesse tipo de corpo – ainda bem.

As últimas quebras de ideal de beleza masculina acabaram distorcidas, especialmente no meio gay. Se antes o padrão era o cara ser fortão e depiladinho, conseguimos mudar isso e destacar e dar valor ao homem peludo e barbudo e gordinho, por exemplo. Mas tenho vários conhecidos que começaram a tomar medicamentos pra nascerem pêlos em seus rostos e peitos, o que acho uma medida invasiva e não muito saudável em nome de beleza física. Poxa, o que queríamos desde o começo era incluir, não excluir! Mas foi o que aconteceu, criou-se um outro padrão de beleza, tão opressor quanto aquele contra o qual estávamos lutando contra lá atrás. Todos os dias alguém vira pra mim e pergunta: “porque você não deixa sua barba crescer?

E outra: que delícia ter um registro tão completo de si mesmo para olhar no futuro, não é? O tempo vai passar, meu corpo vai mudar, e é legal lembrar com mais detalhes como ele um dia foi. Já disse antes (nesse texto aqui) que envelhecer é o grande elefante branco da comunidade gay. Nada contra quem fica por aí brigando sobre qual seriado de TV ou cantora pop é melhor, gastando horas do dia decorando coreografias de clipes. Nada contra, mesmo. Eu participo de tudo isso em algum nível também. Mas espero sinceramente que essas mesmas pessoas estejam também buscando algo a mais da vida: que queiram se conhecer mais, se desenvolver mais, entender melhor de onde vem suas vontades e desejos e conceitos. Que reflitam um pouquinho sobre a vida, a morte. Conseguir ser feliz consciente da velhice, da doença, da morte e da solidão é o grande desafio da humanidade – gays não estão fora disso. Sair do armário para si e para o mundo pode ser muito doloroso, mas não quer dizer que a partir disso é tudo festa. Sei lá.

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Sobre o vídeo

Na conversa com Rodrigo, falamos sobre muitas coisas: primeiro amor, primeiro sexo, sair do armário para a família. Mas a primeira pergunta foi a mais complicada: “o que é ser gay para você?”

Ao mesmo tempo que não é nada, ao mesmo tempo que encaro ser gay como apenas uma das minhas características, sinto que ela define toda a minha vida. Não é só minha sexualidade, é meu lifestyle e é a minha luta. E aí a conversa foi para a existência da tal “cultura gay”, que eu acho que não devia existir – ela é elitista demais, ao meu ver. Ser gay é “só uma das” característica da pessoa, ela não necessariamente compartilha interesses e características com todo o grupo além dessa. É difícil rotular a cultura gay: qualquer item que você usar (um certo comportamento, uma certa roupa, um ou uma representante) vai ter alguém pra gritar: “ei, eu discordo!”

O que há por trás dessa galerinha que se acha superior por não parecer gay, os tais “discretos”, é essa imagem irreal de que “os gays” são iguais. Mas o que chega da comunidade gay para fora dela não representa todos e nunca representará. Os pacotes midiáticos (livros, revistas, séries, programas de TV) vendem estilos de vida. E nossa sociedade é muito machista, os pacotes midiáticos mainstream vendem sempre a ideia que todo gay odeia futebol, é afeminado, usa rosa e couro, curte boate e Rihanna – vende-se a ideia de que pra ser gay você é, automaticamente, menos homem. Logo, o cara cresce achando que se ele gosta de futebol ou não ouve Rihanna ele é “menos gay”. E essa conclusão é, certamente, uma das que mais causa atraso nos nossos avanços de direitos civis. O gay que dá a cara a tapa é o que causa as mudanças: somos diferentes, mas estamos no mesmo grupo, pessoal. Precisamos ter consciência que, de um jeito ou de outro, um sempre representa todos.

Pensando nisso, lembrei desse caso que conto no vídeo, dos HSH, homens que fazem sexo com homens. O termo foi criado nos anos 90 para que as medidas de contenção da AIDS e outras DSTs não ficassem restritas a grupos por orientação sexual. Mas vamos lá: todos os gays são diferentes entre si, a única coisa em comum entre todos é atração por outros homens, e aí existe um grupo que faz exatamente a única coisa que é comum a todos os gays, mas não se identifica como gays! Percebem como isso é maluco? Os caras que selecionam essa opção nos formulários acreditam, de verdade, que o sexo com outros homens não os tornam gays. Tenho dúvidas: até onde isso é apenas “fluidez sexual” ou apenas preconceito de gente que acredita, mais que ninguém, nos pacotes midiáticos.

Enfim, esse texto já está muito mais longo do que era para ele ser originalmente. Quem quiser continuar no assunto, recomendo os textos abaixo:

Não sou e nem curto afeminados

O que você pode aprender com Brendan Jordan

Por que alguns gays precisam de likes e elogios demasiadamente?

Por que achamos que ser magro é bonito (Super Interessante)

Fernanda Young lista os motivos que a levaram a posar na Playboy (O Globo)

Projeto promove debate sobre aceitação gay (O Tempo)

Empresas que não gostam de gays não merecem o meu dinheiro

Os 17 melhores projetos de nu masculino

Introdução

É super, super comum ver mulheres reclamando de filmes pornôs. A esmagadora maioria deles é feito de homens para homens e, por isso, não são fiéis à realidade: mulheres não gozam tão facilmente quanto nesse tipo de filme, pra citar apenas um exemplo. E se esses vídeos fossem apenas entretenimento, tudo bem, mas todos sabemos que eles ultrapassam um pouco isso por serem o primeiro contato de muita gente com sexo. E essa objetificação da mulher nos pornôs é internalizada por vários homens, que vão e levam a vida achando que a realidade é assim.

Sinto que com gays é a mesma coisa. A grande maioria dos filmes pinta um cenário em que ficar de quatro é a única posição existente, em que sexo oral diz respeito apenas ao pênis, em que o passivo da relação sempre gosta de sentir dor ou ser humilhado, que todo gay é sarado e de cabelo liso, que todo cara gosta de gozada na cara, que todo entregador de pizza é gato – e por aí vai.

Mas apesar de tudo isso, devemos entender que a construção da identidade gay (do jeito que conhecemos hoje) está intimamente ligada à produção pornográfica. É complicado admitir isso, pois já somos um grupo que sofre muitos preconceitos e um dos principais deles é o de ser chamado de promíscuos – uma generalização tão errada quanto falar que todos os heteros são castos e virgens.

É que quando o movimento homófilo* começou nos anos 1950, o governo dos EUA não via diferença entre manifestos por direitos, publicações eróticas e fotografias pornográficas. Tudo era considerado ilegal e foram os pornógrafos que mudaram esse cenário por debaixo dos panos. Eles conheciam as restrições legais bem o suficiente para saberem como burlá-las e tinham dinheiro para enfrentar discussões públicas sobre obscenidade (o que acontecia bastante, já que trocar material considerado pornográfico dava até prisão).

*Homófilo: no início da luta pelos movimentos LGBT nos EUA, os líderes tentaram adotar o termo “homófilo”, por considerarem que o termo “homossexual” dava ênfase apenas ao lado sexual da atração por pessoas do mesmo gênero, enquanto “homófilo” frisava o amor.

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Uma das revistas de pose

No meio dessa bagunça toda de direito civis e confusões recorrentes sobre conceitos (tinha hetero na época que achava que se uma mulher o chupasse isso fazia dele gay!), as organizações homófilas tinham as suas publicações (a maioria com tiragem bem pequena), mas os pornógrafos criaram as chamadas “revistas de pose”, como Physique Pictorial e Tomorrow’s Man. Afinal, eles eram proibidos por lei de enviar revistas pornográficas pelo correio, então editores vendiam fotografias de corpos musculosos com pouca ou nenhuma roupa com a desculpa que elas serviam como referência a pintores ou desenhistas que queriam praticar o desenho da figura humana mas não dispunham de modelos vivos.

Importante dizer que nessa época, a mídia tradicional retratava os homossexuais como clinicamente doentes, depressivos e criminosos, por isso a pornografia dessa época (que hoje consideraríamos inocente) foi tão importante: ela oferecia um respiro de ar fresco no mundo de gays por todo o país. Homens que estavam no armário ou que moravam em cidades pequenas, fora de centros urbanos, viam esperança numa vida de normalidade e de amor a dois na forma de revistas e filmes de 8mm encomendados pelo correio.

Se você quer um nome pra pesquisar sobre tudo isso procure por Chuck Holmes, dono da Falcon Studios. Outro nome legal é Robert Mapplethorpe, que foi quem tirou a arte gay do gueto e colocou na galeria de arte. Nascido na Nova York dos anos 40, ele foi frequentador da cena sadomasoquista e de bares leather, mas também circulava na alta sociedade artística (foi amigo de Andy Warhol e Patti Smith, por exemplo).

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Sem título (nu frontal ao lado do mar), Wilhelm Von Gloeden, 1900

Mas ele não foi o primeiro a fazer arte com homens pelados, claro. E, na verdade, é complicado saber quem foi. Mas uma outra boa referência é o barão Wilhelm Von Gloeden, que foi um fotógrafo alemão do século XIX, pioneiro na fotografia ao ar livre com o uso do nu masculino. Ele usava elementos da Grécia antiga nas imagens que fazia à partir do ano 1880. Um homoerotismo inocente mas, certamente, à frente de seu tempo.

Então da capa da última revista Made In Brazil até a coluna Hot do blog Papelpop (para a qual eu já escrevi durante um ano, inclusive), todo mundo deve um pouquinho a todas essas pessoas citadas aqui. Por isso mesmo quis fazer essa introdução tão longa pra contextualizar um pouco a coisa: todos os projetos de nu masculino são legais e válidos, mas só existem por causa de milhares de pessoas que vieram muito, muito entes deles e os tornaram possíveis.

Mas chega de falação, vamos para a lista! E se você conhece algum projeto legal que não está aqui, deixe nos comentários do post!

Chicos
O projeto é uma mistura interessante de conceitos e corpos: gays comuns são fotografados nus e questionados, em vídeo, sobre a relação que têm com seus corpos, sua sexualidade e primeiras experiências. Além do site, já gerou exposições e festas, e a ideia dos criadores Rodrigo Ladeira e Fábio Lamounier é transformar todo o material coletado em um livro e um documentário.

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Pornceptual
O projeto de Chris Phillips é pra ser mesmo sobre pornografia, com todas as letras. Mas a ideia é sair do óbvio, é fazer pornografia artística. E é isso mesmo que é feito. Vale muito conhecer e seguir. Além das propriedades online, há a revista Pornifesto, que pode ser comprada aqui.

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Snaps
O fotógrafo peruano Gianfranco Briceño criou a Snaps Fanzine via financiamento coletivo: ele mesmo diz que era para ser um portfólio, um zine de amigos posando, mas a repercussão transformou o projeto numa simples exibição natural (e menos vexatória) do nu masculino. Lindo, lindo!

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Flesh Mag
“Toda carne interessa”, diz o manifesto desse revista digital baseada no Rio de Janeiro que começou tem 4 meses para dar visibilidade à diversidade dos corpos masculinos para além dos moldes. Os cliques são dos fotógrafos cariocas João Maciel e Rafael Medina.

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Portis Wasp
Esse blogueiro escocês transformou seu Instagram em algo bem específico: ele só faz montagens de pessoas seminuas em cenários de filmes da Disney. Sexy e divertido ao mesmo tempo.

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Original Plumbing
Essa revista sobre a cultura trans está indo para sua 17a edição e sempre convida para as fotos todo mundo que estiver disposto a ser clicado. Aqui não há nu, a revista é, na verdade, sobre lifestyle e com matérias sérias e longas: já tiveram edições sobre selfies e o movimento trans no skate, por exemplo. É interessante para todo mundo relembrar que identidade de gênero não define gostos e nem caráter (e nem orientação sexual!), cada pessoa é completamente diferente da outra.

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Meat
Um britânico e um islandês são os donos dessa revista que já existe há 5 anos. O gosto pessoal dos fotógrafos é critério de escolha para os modelos das fotos das 15 edições de 44 páginas coloridas e não-retocadas.

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Misterabsurdo
Mister Absurdo é o alter ego do ilustrador Mario Gómez, que mora em Madri. Segundo ele, a ideia é mostrar com suas ilustrações que “tudo é possível”.

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Kink Magazine
De Barcelona, os fotógrafos Paco e Manolo já passaram da 23a edição dessa revista física totalmente voltada a nus masculinos e que dá preferência a pessoas com corpos normais: também tem homem perfeitinho e malhadão e com barba, claro, mas são minoria.

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Butt Magazine
Provavelmente a mais famosa dessa lista: a revista nasceu em 2001 e fez das páginas rosas um tradicional fundo para fotos sensuais e matérias bem legais. Na internet, o site da revista tem uma rede social e mapas  com indicações de points gays de grandes cidades.

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The Tenth Zine
Já a ideia desse zine dedicado à beleza negra é “recuperar a cultura afro-descente que a mídia tem nos roubado desde a invenção de Hollywood”, segundo o editor, Khary Septh, que também escreve para a VICE. A foto abaixo é da primeira edição; eles publicam duas por ano.

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Exterface Studio
Aqui não é exclusivamente masculino, mas tem muito homem bonito sensualizando nos ensaios e calendários dos fotógrafos franceses Stéphane e Julien, cujos temas variam muito. O de 2016, por exemplo, é uma revisita à mitologia grega.

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André Flexões
Esse projeto é totalmente independente e totalmente web, mas é legal exatamente pela falta de pós-produção: imagens caseiras de vários tipos de corpos, tudo bem explícito.

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Coitus
Essa famosa revista é all about modelos gatos. Apesar do nome, ela é vendida mais como uma publicação de moda e lifestyle que, necessariamente, um projeto erótico, e suas páginas são bem plásticas.

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Fábio da Motta
Os cliques do Fábio são muito legais, independente de em qual rede você vai segui-lo: de selfies até ensaios com terceiros, o corpo masculino está sempre em evidência de um jeito sexy e bem pouco óbvio.

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Minsoart
Amo esse perfil do Instagram pois ele sempre me faz rir ou refletir: são apenas montagens de coisas aparentemente muito diferentes, mas colocadas juntas de um jeito fluido que fica, geralmente, muito bonito ou, pelo menos, interessante.

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Hello Mr.
Lançada em abril de 2013 por Ryan Fitzgibbon a revista Hello Mr. já está na sexta edição e ficando tão famosa quanto a Butt Magazine, com matérias bem interessantes direcionadas a “homens que saem com outros homens”, como diz na capa. O Instagram deles é bem legal também.

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Se você conhece algum projeto legal que não está aqui, mande nos comentários do post!

Créditos
O uso das imagens do Snaps, Flesh e Pornceptual foram autorizadas pelos fotógrafos; a imagem do Chicos pelos criadores do projeto e modelo; as demais eu peguei direto de cada site ou rede social – se você é dono delas ou aparece nelas e quer que elas sejam removidas, deixe um comentário no post com seu pedido. A maior parte da pesquisa do texto de introdução foi do Marcio Caparica, também usada com permissão.

O que eu achei do final de “Looking”

Captura de Tela 2014-03-13 às 16.22.44“Looking” é a série do momento para mim. Admito que o episódio de estreia não é uma obra-prima, mas as histórias e personagens vão ficando cada vez melhores. É uma série sobre gays que não é caricata demais.

Quando anunciaram seu lançamento, não vi com bons olhos. Apostava que seria tipo “Girls”, mas com um bando de jovens twenty-somethings afetados e super gostosos, morando em Nova York e cheirando pó como se fosse algo barato e normal. Bom, em alguns círculos talvez até seja e pessoas como essas descritas existem aos montes, mas sempre fico com medo de qualquer filme ou série que é rotulado como “gay” – eles representam  uma parcela dessa comunidade mas acabam sendo vendidos para muitas pessoas como a comunidade toda.

Não foi o caso. A série é democrática o suficiente para mostrar vários tipos de gays. Os personagens são adultos e crises existenciais não são o foco. Exceto pelo personagem principal, Patrick, meu favorito por estar dentro de algumas regras comportamentais do grupo, mas também com valores diferentes das pessoas ao redor – sem se sentir superior nem inferior por isso. Um amigo disse que ele é muito chato e não tem personalidade, mas é essa a personalidade dele: ser comum, não ter estereótipo, ser tímido. Três itens que o povo esquece que existem no mundo gay.

Mas cada um se identifica com um personagem ou com uma história. E muitos não se identificam com nada e não há nada de errado com isso também. Mas uma coisa precisa ser dita sobre “Looking”: você pode ser hétero e ter milhões de amigos gays (ou não) e assistir a série e gostar, mas nunca vai entendê-la em seus detalhes. Ela é sobre o mundo gay e há muito ali que realmente foge da compreensão de quem não vive nesse mundo – e viver “perto” não é viver “no”. E é por isso que esse texto aqui é tão pessoal: todo mundo encara os personagens e os acontecimentos de uma maneira muito sua, o que chama atenção de um, nem é percebido por outro etc.

Dito tudo isso, chego onde queria chegar: no episódio final dessa temporada.

(SPOILER) Nesse episódio aconteceram essencialmente duas coisas que me empolgaram e me fizeram gritar: “Finalmente!”

A primeira foi Augustin ser expulso de casa. Desde o primeiro segundo desse personagem vi que era encrenca. Esse pessoal folgado fantasiado de artista atormentado, conheço muitos. Relacionamentos são difíceis, mas quando alguém não vê mais graça naquele em que está, tem duas opções: tentar consertar ou pular fora. A terceira opção, a que a grande maioria escolhe, só causa dor de cabeça: tentar ficar no relacionamento e satisfazer com outros os campos que seu parceiro não preenche ou que você não se sente preenchido por algum motivo – e isso não é só traição no sentido amante, mas traição de confiança mesmo. Na minha opinião, foi tarde. Já terminei com pessoas mais interessantes por motivos menores.

A segunda foi o ápice de Patrick. Nunca gostei de Richie e o namoro dos dois foi desses que nasce da carência de uma das partes. Depois de 17 mil encontros ruins, qualquer pessoa meramente decente começa a parecer interessante – e, enquanto você está com a pessoa, descobre mais coisas e vai de fato começando a gostar dela. Mas, como o próprio Patrick já tinha percebido e deu a entender, Richie era um cara legal e interessante com zero ambições e pouco, digamos, filosófico. Se tem um mantra de relacionamento que eu sigo, ele é esse: fique com alguém que você gosta de conversar. Afinal, um dia vocês farão apenas isso. Tudo bem, o episódio deles andando pela cidade é lindo, mas no segundo encontro tudo é lindo, tudo é ensaiado pra impressionar (planetário, really?).

Já Kevin, seu chefe, foi amor à primeira vista – para mim e para Patrick. Mas os dois namoravam outras pessoas e precisaram fingir que não se gostavam, digamos assim. Mas a profissão deles sugere acordos de valores que eu acho importantes para a construção de algo duradouro. E o charme de Kevin, apesar das suas orelhinhas, me ganhou na primeira cena.

Nesse episódio, finalmente, algo acontece entre eles. E a declaração de Kevin me fez chorar:

Não é isso que se quer ouvir? Isso é uma declaração de sentimento, não de intenções. “Eu não consigo parar de pensar em te beijar” é mais poético do que “quer tomar um café qualquer dia desses?”

Por mais linda que tenha sido a declaração e o beijo e a cena de sexo, aqui estão dois gays comprometidos fazendo sexo fora de seus relacionamentos. Traição e promiscuidade não é exclusividade do mundo gay, mas muita gente acha isso e é por causa de histórias como essa, certo?

Errado. É, os dois namoram, mas eles se gostam. Eles não treparam com garotos de programa ou desconhecidos num dark-room. Isso não tornaria o ato perdoável na vida real, mas é sim esperançoso do ponto de vista da ficção. Existem muitas, muitas histórias de amor  que começaram quando o casal, na verdade, estava com outras pessoas.

E essa é a minha esperança pra próxima temporada, esses dois juntos e o Richie sendo um caga-regra bem longe. A cena de Richie terminando o namoro com Patrick foi a que mais comoveu as pessoas, mas a que mais me incomodou: pessoalmente, estou cansado de gente que se acha doutor na arte de relacionamentos, gente que acha que conhece suas próprias verdades e reações em qualquer circunstância, que fala “eu sou do tipo de pessoa que”, que impões suas ideias e conceitos (escapulário, really?). Richie é aquele cara mala que é charmoso pra te conquistar e depois mostrar que é superior, que age como se estivesse num filme, que se faz de profundo e é um sensível poeta aventureiro. Vá se foder!

Aventura de verdade é estar com alguém que você gosta de verdade – e que gosta de você de verdade. Sem joguinhos e imposições. A barreira – se ela precisar existir – tem que ser no mundo físico: cargos numa empresa, diferenças geográficas. No mundo das ideias e dos sentimentos, só funciona se as duas pessoas estão alinhadas. E acho que Patrick e Kevin estão/são.

Enfim.

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Mais sobre o assunto:
Não queremos casar, queremos trepar
Não sou nem curto afeminados
Quem são esses caras?
Envelhecer, o elefante branco da comunidade gay
Gays que gostam de futebol
Quem são os homofóbicos?

Um almoço de domingo

– E o Fulano, como tá isso?

– Vou te falar como está isso: eu queria sair com o Fulano. Chamei pra sair e ele não podia, falou pra gente marcar na semana seguinte. Na próxima semana alguma coisa aconteceu e não rolou. Aí no fim de semana seguinte ele viajou. Enfim, do dia que eu decidi que queria sair com ele até o dia que realmente saímos passou, sei lá, 20 dias. Aí saímos. Foi legal, o café tava bom, o beijo foi gostoso. Aí chamei ele pra sair de novo mas ele tinha uma coisa de família. Aí chamei pra um cinema no dia seguinte e não dava pois ele ia trabalhar no final de semana.

– No escritório ou em casa?

– Em casa, freela. Enfim. Ele não faz esforço nenhum do lado de lá.

– Acontece.

– Ele é legal, mas não é especialmente interessante, nem especialmente bonito. Eu não devia estar correndo atrás dele. Ele devia estar correndo atrás de mim.

– Aí que está.

– O quê?

– Ninguém tem que correr atrás de ninguém. Se vocês estivessem interessados um no outro, vocês estariam juntos.

Fim.

Não sou nem curto afeminados

Fiquei alguns dias organizando as ideias desse texto – era algo que queria muito escrever sobre. Com o tal beijo gay no capítulo final da novela “Amor à Vida”, achei apropriado publicar e adicionar o assunto a ele. Imagino que as palavras abaixo estejam cheias de erros técnicos – não sou estudioso de psicologia e sexualidade -, mas acho que meus achismos valem um pouco, então aí estão eles :}

O que é ser gay?
Antes de tudo, qual é o núcleo da homossexualidade? Se sentir atraído por um indivíduo do mesmo gênero que o seu. Todo o resto é comentário.

“Se o cara se veste de mulher mas tem tesão em mulheres, é hétero? Se ele transa com mulheres mas pensa em homens durante o sexo, é gay?”. Pra mim, tudo isso ainda é comentário, cada caso tem suas particularidades. Mas o que importa nesse ponto é o conceito frio de ser gay, que é esse: se sentir atraído pelo mesmo sexo. Fim.

Inclusive deu praticamente isso na pequena enquete que fiz no meu Facebook.

enquete

Gosto muito da resposta sobre identidade social: um médico é um médico, um médico que é gay é um médico-gay. O “um” sempre acaba representando o grupo todo. Que perigo.

“Ser gay não é só se sentir atraído pelo mesmo sexo”, me dizem sempre, “é mais que isso, é um posicionamento, uma identidade, um estilo de vida”. Ok, quais? Nessa hora os que não fogem da pergunta respondem sempre coisas diferentes…

O que é a cultura gay?
O conceito da Cultura LGBT é fácil: é a cultura comum e partilhada por lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros. Ok, mas e aí? O que há de comum entre todos os gays além de que eles são gays?

Bom, se eu te perguntar qual é a cultura de Minas Gerais, o meu estado, é capaz de alguém responder na ponta da língua: pão de queijo, Aleijadinho, Carlos Drummond de Andrade. Isso significa que todo mineiro gosta e conhece todas essas coisas? Claro que não. É um estado muito grande pra generalizar todos dentro desses três itens – há muito mais na cultura de Minas.

É a mesma coisa. Ser gay é “só uma das” característica da pessoa, ela não necessariamente compartilha interesses e características com todo o grupo além dessa. Já até escrevi nesse blog sobre gays que não apoiam o casamento gay! É difícil rotular a cultura gay: qualquer item que você usar (um comportamento, uma roupa, um representante) vai ter alguém pra gritar: “ei, eu discordo!”.

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“Aqui é Parada Gay, não a Parada Lady Gaga. Ela não é uma representante para nós. Ela não é lésbica, ela não é gay. Só gostar da gente não te faz parte do nosso grupo. Você é uma mulher hétero, você não sabe nada sobre bullying. Você não sabe o que a gente passa.” Hum, será?

Esse gigantesco grupo que chamam de “gays” é cheio de sub-grupos. Barbies, ursos, emos, poc-pocs, indies, modernos, dykes, tuchas, sapatilhas, mini-lésbicas e caminhoneiras são apenas alguns deles. Por mais plural que isso pareça, cada grupo pode ser muito fechado, o que causa um certo estranhamento.

Não é difícil ver gays falando mal de lésbicas ou de outros gays. Produtos midiáticos (novelas, séries, filmes, livros) acabam sendo propagandas que vendem estilos de vida e não é impossível conhecer negros homofóbicos, lésbicas racistas, gays machistas. Triste, mas é verdade.

E aí que entra todo o straight acting
Dentro do meio gay há um grupo de pessoas que gosta de se rotular “st8 acting”. São gays que se dizem “não parecer gays”. Em teoria, agem como héteros. Já conversei com alguns e eles geralmente citam coisas como “não gosto de boate, não gosto de Madonna, não falo fino, não desmunheco, malho, assisto futebol, bebo cerveja”. Coisas assim. Eles acreditam, mais do que ninguém, no pacotinho que esses produtos midiáticos rotularam como “gay”.

Quando mudei pra São Paulo e falava que era mineiro, muitos exclamavam: “Nossa, mas você não parece mineiro!”. E parecia que estavam no aguardo de um agradecimento meu. É um elogio falar a alguém que ele não parece ser algo que ele é? Como é um mineiro, gente, me digam?

Agora: como é um gay, gente, me diz?

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Quando alguém usa a palavra “gay” em quê você pensa? Resposta certa: não há resposta certa

O que há por trás dessa galerinha que se acha superior por não parecer gay é essa imagem aí em cima. O que chega da comunidade gay para fora dela não representa todos. NUNCA REPRESENTARÁ. E existe um medo até compreensível de que os outros vão achar que sou algo que não sou. Eles realmente acham que “todo gay curte boate”, por exemplo. “Logo, se eu não curto, não sou tão gay assim”. Ahm?!

O que é empacotado como “gay” e vendido para não-gays não representará todo o grupo, mesmo que seja numa série como “Looking” ou numa novela com beijo gay no final. Em uma carta aberta aos humoristas brasileiros, Alex Castro escreveu:

Quando uma pessoa gay é agredida com uma lâmpada na Av. Paulista, a equipe de criação do Zorra Total não pode levantar as mãos e se declarar inocentes. E nem quem assiste e ri. (fonte)

Eles está coberto de razão nesse ponto. E esses gays que rejeitam rótulos são tão vítimas desse tipo de coisa quanto todos os outros – têm medo de ter sua imagem associada aos pacotinhos e, temendo a ignorância alheia, agem como ignorantes.

Mas calma, talvez essas pessoas que se acham “menos gays” não achem isso por causa da mídia, mas se baseiam é nos gays ao seu redor mesmo, nos homossexuais que eles conhecem. Hum…

O que fazer se eu sou um gay “não-afeminado” então?
Bom, meu amigo, a primeira coisa é parar de se achar superior. Como aprendemos no primeiro item desse texto, se gosta de gente do mesmo sexo é gay e fim. Agir como hétero não te faz menos gay por definição. Talvez deixe sua vida mais fluida, menos caótica (pois atrai menos olhares julgadores e, assim, corre menos risco de levar surra de lâmpada na cara ou de canos enfiados na sua perna ou de Bíblia), mas não te torna menos gay.

A segunda coisa que você precisa fazer é SAIR DO ARMÁRIO PRA TODO MUNDO (e aqui tem umas dicas). Se você não gosta da imagem que as pessoas têm dos gays é responsabilidade sua mostrar que existem vários tipos de gays no mundo. Não tem nada que exija mais coragem de um homem do que ele viver sua verdade todos os dias o dia todo. Mas não esqueça que quando alguém falar “nossa, você nem parece gay!” isso não é um elogio.

Ser gay e querer ser menos gay é, com certeza, um problema. Mas não tem problema apenas discordar de algo que a então chamada cultura gay “impõe”. Eu não baixei o novo episódio de “Glee”, mas durmo tranquilo. Ninguém vai caçar minha carteirinha de gay por isso.

E no caso das vítimas desse preconceito bobo, os gays afeminados, cabem a eles também mostrar que são mais do que apenas isso. Cada um vai descobrir seu jeito de mostrar como.

Beijo gay pode sim, mas tem um porém
A importância de um beijo gay na novela é qual? Já teve beijo gay em tantos filmes, programas e séries…

Mas meus avós não baixam série, não têm TV a cabo, não vão ao cinema. (…) Se ele [meu avô] achou um absurdo, uma pouca vergonha, ou normal, ou bonito, ou diferente, a verdade é que ele viu para poder achar. Ele pôde ver. Contra a vontade ou não. Mas viu algo que faz parte da sociedade, mas que não fazia parte da casa dele. Um beijo gay na sala de estar da casa dos meus avós? Impossível. Até ontem. Se a Globo mostrou isso pros meus avós foi porque já não dava mais para esconder. (fonte)

É isso.

Claro que o ideal é um beijo entre gays ser chamado apenas de beijo (ninguém fala que no filme tem um “beijo negro”, né?), mas esse capítulo final de “Amor à Vida” foi, definitivamente, um começo. A estrada tá aí pra ser percorrida.

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O tal beijo gay: não vale reclamar que foi fraco. Mas vale perguntar: quando chamaremos apenas de beijo?

O problema é que foi o primeiro e, pra amenizar, foi preciso reforçar umas ideias polêmicas. Afinal, a vida é linda quando você é um gay forte, branco, bonito e rico, mas essa não é a realidade de muitos. Verdade, mas lembra o que falei antes? O que chega da comunidade gay para fora dela não representará nunca todos (especialmente se quem está escrevendo, atuando e transmitindo não é, “em essência”, gay). Você pode ter um programa de sucesso como “Cosby”, “Everybody Hates Chris” ou “My Wife and Kids” no horário nobre por várias temporadas, mas não pode dizer que esses programas “representam toda a comunidade negra”. É a mesma coisa aqui.

Não se chega a lugar nenhum respeitando de cabeça baixa uma cultura que te oprime. Mas, por mais heteronormativo que tenha sido o fim dos personagens da novela, temos que começar de algum lugar, certo?

Não somos uma minoria. Somos?
Sabe o que é mais legal do que fazer todo mundo ver um gay se beijar? É fazer todo mundo parar com essa palhaçada de tratar gays como marginais.

Quando dizem que negros ou mulheres ou gays são minoria, não querem dizer em quantidade no mundo. Mas sim em representatividade política. Mudanças profundas na sociedade são lentas, podem começar na novelinha, mas podem ser bem aceleradas se tivermos, no poder, políticos que lutem pelas causas gays. Pense nisso nas próximas eleições e fique de olho nos vira-folha que prometem uma coisa para os eleitores gays e exatamente o contrário para os eleitores evangélicos, por exemplo.

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Jean Wyllys: eleito em 2010 para mandato de deputado federal; Harvey Milk: primeiro homem abertamente gay a ser eleito a um cargo público na Califórnia, como supervisor da cidade de São Francisco; Amanda Simpson: uma das primeiras transexuais a integrar o governo federal dos EUA, no Departamento de Comércio.

Resposta genética?
Inclusive pois acredita-se muito que a formação de sua identidade sexual tem a ver com a cultura ao seu redor, ao tipo de coisa que você é exposto, ao tratamento recebido pelos seus pais. Mas, nos últimos anos, pesquisadores começaram a apontar que a formação da sexualidade acontece antes do nascimento – em parte pelos genes, mas também por fatores que atuam no desenvolvimento do feto. Ainda falta muito a ser desvendado, mas as evidências estão causando uma revolução no pensamento científico. E, se comprovadas, poderão subverter simplesmente todas as noções básicas que a sociedade atual construiu ao redor dos gays. (fonte)

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“Meu nome é Brock, tenho 7 anos de idade, e me considero do tipo diva”

Homofóbicos e religiosos homofóbicos gostam muito de argumentar que o mundo nunca teve tanto gay antes, pois agora estamos tratando “essa doença como algo normal”. Mas é justamente o contrário. É impossível ter dados técnicos, mas eu apostaria que o número de gays hoje e em 1489 é quase o mesmo, mas agora as pessoas se sentem confortáveis para serem elas mesmas.

Quem são os homofóbicos? Alguns estudos indicam que são pessoas conservadoras, rígidas, favoráveis à manutenção dos papéis sexuais tradicionais. (…) A homofobia reforça a frágil heterossexualidade de muitos homens. Ela é, então, um mecanismo de defesa psíquica, uma estratégia para evitar o reconhecimento de uma parte inaceitável de si.

Dirigir a própria agressividade contra os homossexuais é um modo de exteriorizar o conflito e torná-lo suportável. E pode ter também uma função social: um heterossexual exprime seus preconceitos contra os gays para ganhar a aprovação dos outros e aumentar a confiança em si. (Regina Navarro)

E eu com isso?
Quando eu comecei a perceber que gostava de meninos, foi muito dolorido. Não sabia o que era gay ou sexo, me achava uma aberração, achava que era o único assim no mundo. Ter gays em filmes e novelas, mesmo que agindo “como héteros”, já ajuda a naturalizar isso. Essa crescente inclusão de gays nos pacotinhos midiáticos pode (e acredito que vai) ajudar a economizar dor, desgaste familiar e dinheiro em terapia.

Não há nada de errado em ser gay, então não seja um babaca.

Pra quem quiser continuar a reflexão, outros três textos meus:
Gays que gostam de futebol
Pensando com Laerte
Daniela Mercury não me representa

Beijos (na boca ou no ombro, mas beijos)

Não queremos casar, queremos trepar

A lista de sinônimos para a palavra “casamento” nos dicionários é longa, mas sempre começa com (1) União legítima de homem e mulher; (2) União legal entre homem e mulher para constituir família. A ideia de gays se casando com papel passado e festa em capa de revista é recente.

No fim, a questão do casamento gay é um dos poucos itens na lista de diferenças entre direita e esquerda, por isso essa discussão fica mais política e calorosa a cada dia e mais gente é chamada pra opinar sobre o assunto – de celebridades a Jesus Cristo, cada um com seus grupos de seguidores, diferentes entre si e distorcendo suas palavras.

E aí chega outra questão: quando o casamento gay virou pauta no mundo gay? Segundo a ativista Yasmin Nair (em uma reportagem da BBC), esse ato se transformou em objetivo da comunidade na década de 1990, quando o movimento “emergiu do choque da epidemia de AIDS sem a sua antiga energia”. Sim, “casamento” é uma instituição conservadora por excelência, mas na época acho que havia uma vontade coletiva de monogamia, e ela foi tomando diversas formas com o tempo.

Tantas formas que chegou onde estamos atualmente: com uma parcela enorme de ativistas simplesmente loucos pelo casamento gay e uma parcela não se importando muito com a questão. O cartaz abaixo é um exemplo disso. Ele é da QACC – Queens Against Capitalism Crap, ou seja, “rainhas contra merdas capitalistas”. “Não queremos casar, queremos trepar. Tire seu casamento dos meus negócios”, diz.

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“Nós [já] temos casamento, é chamado de união civil e eu me alegro com o fato de que pessoas como eu, que são diferentes dos héteros, possam fazer algo que eles não podem”, diz Andrew Pierce, o colunista do Daily Mail que é contra o casamento gay – apesar de lutar pelos direitos da comunidade há alguns bons anos.

Quando você para e pensa, enxerga com clareza: realmente é um ato de viés conservador se casar, mas isso significa que não tem nada a ver com gays?

Muitas discussões que tive com amigos homossexuais sobre casamento desembocaram para essa discussão: que é muita ilusão achar que você vai ser feliz pro resto da sua vida com uma pessoa, que amor não resiste ao tempo, que amor não é algo duradouro, que monogamia é impossível etc. Essa ideia de felicidade eterna a dois é um clichê heteronormatizado? Sim. Isso faz dele uma coisa proibida para gays? De jeito nenhum. A discussão nunca foi nem deve ser o conceito, mas sim a possibilidade, a permissão.

Um exemplo: as feministas saíram de casa e queimaram sutiãs lutando pelo direito da mulher escolher o que quer para sua vida – inclusive pelo direito de escolher ser dona de casa. Esse desejo pode ser orgânico e super real em muitas mulheres, não é? Nenhuma feminista  invadiu casas no subúrbio, tirou o avental da mãe de família e a obrigou a fazer aulas de datilografia. A luta foi, e sempre será, pela escolha, a briga é para ter opções.

Por isso acho bobagem essa conversa de que “casamento não é coisa de gay”. Casamento devia ser pra quem quiser, tudo devia ser pra quem quiser. Um grande argumento dos pró-casamento entre pessoas do mesmo sexo é: “se você é contra casamento gay, não se case com um gay”. Esse argumento serve também para todo mundo que não vê graça nessa ideia de vida-a-dois-pra-sempre: se não acredita em casamento, não se case. Nem com um gay, nem com um hétero. E fim da discussão.

Então como explicar gays que se opõem a esse direito? Ódio internalizado por pressão? Talvez. Mas acho um tiro pela culatra, um papinho anarquista muito do frouxo. Devia fazer parte da nossa agenda, da nossa rotina mesmo, lutar pelo direito das outras pessoas, por direitos que nós mesmos nem vamos usufruir. Não é isso que é viver em comunidade, afinal?

Além do mais, vale sempre repetir: se o que os outros estão fazendo é bom para eles e não faz mal a ninguém, faz bem para todo mundo.

Topo do pescoço versus meio das pernas

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Acabei de ver “Tomboy”, um filme francês sobre uma menina que aproveita a mudança de casa e escola para se apresentar às crianças vizinhas como um menino. Aparentemente, não é a primeira vez que ela faz isso – e seu comportamento diferente já tinha chamado atenção dos pais, que pareciam compreender a criança na medida do possível. Eles não criam caso, por exemplo, com suas regatas e seu quarto pintado de azul.

Sem querer contar o fim do filme, digo que não fica muito claro se é a história de um indivíduo transgênero de nascença ou (e é o que o título sugere) de uma criança lésbica que não conhece sua homossexualidade – já que é comum crianças homossexuais, sem saber que gostar de alguém do mesmo sexo é permitido, queiram pertencer ao sexo oposto. Mas no caso dos trans, desde sempre, sabem que o que há no topo do pescoço não combina com o que há entre as pernas. E aí a questão é muito mais ampla.

De qualquer forma, o filme da diretora Céline Sciamma me fez lembrar de uma matéria muito interessante sobre o assunto, no programa ” 20/20″, da ABC, com a jornalista Barbara Walters. Ela entrevista famílias, crianças, especialistas e trata tudo com a naturalidade e delicadeza que o assunto merece.

Ah, um outro filme legal: “Transamerica”, de 2005, com Felicity Huffman.

Pagando pra ver

Acabei de ler uma HQ chamada “Paying For It”. É a história real de um cartunista que decide que não quer ter mais namoradas e começa a fazer sexo apenas com prostitutas.

Depois de terminar um namoro e presenciar o novo relacionamento cheio de brigas da ex, Chester Brown percebe claramente que a ideia de amor romântico é um porre, causa mais dor do que alegria e quer pular fora desse barco. Ele defende que o sucesso dos relacionamentos são momentâneos pois as pessoas mudam – não necessariamente na mesma direção e isso é normal (“Me sinto uma pessoa diferente da que era há 10 anos e uma muito diferente da que eu era há 20 anos”, exemplifica).

E aí o que sobra? Só chateação. Estar em um relacionamento amoroso sério não te garante sexo na hora que você quer. E se a única parte boa da relação é o sexo e você consegue sexo fácil fora de uma relação, pra quê ter uma relação?

A mãe de um dos amigos do tal cartunista fala que ele não tem respeito próprio ao saber que ele saiu com prostitutas. Chester diz que ao contrário do que pensam, se sente muito bem na vida e consigo mesmo e ainda argumenta: “Olha só o nosso amigo R, que acabou de levar um fora da namorada. Ele está péssimo tem muito tempo, ele está sofrendo. E porque ele está sofrendo? Pois ele foi rejeitado, pois ele precisa de alguém que esteja apaixonado por ele. Sem essa voz externa dizendo ‘Te amo’, ele desmorona. É por isso que pessoas precisar de relacionamentos, pois são inseguras. Precisam de alguém do lado de fora dizendo que elas são amáveis. Ou bonitas. Ou legais. Um cara com respeito próprio é um cara que não precisa estar num relacionamento [pra ser segura de si]”. Interessante, não?

Pouco depois, ele conta aos amigos que deu uma de suas HQs para uma das prostitutas que ele vê. “Ela sabe o que você faz? Você conversa com elas?”, perguntam os colegas. “Conversar – conhecer um pouco da moça – é um adicional à experiência. A faz parecer menos fria e impessoal”, responde. E seu amigo recomenda: “Aqui vai uma ideia: se você quer ter uma experiência sexual que não é fria e impessoal, arranje uma namorada”. Hum, touché.

O livro levanta várias questões interessantes sobre a invenção do romantismo (“no passado, era comum desenvolver afeto pela pessoa com quem você tinha se casado, mas amor não era motivo para casar. As pessoas casavam por dinheiro, status, famílias, acordos etc”) e, mais para o final, começa até um debate sobre a legalização da prostituição – e de um ponto de vista que nunca tinha prestado atenção e que me surpreendeu.

No final, a mensagem é que cada um sabe da própria vida, cada um deve ir atrás do que acha certo para si – mas sempre é bom dar umas paradinhas no caminho pra ver se você está indo pro lugar que você quer ou pro lugar que estão te falando pra ir.

“Paying For It” não tem edição em português ainda, mas tem uma linguagem fácil, não é preciso ter um inglês afiado não. E vale muito a leitura, é um tipo de reflexão, convenhamos, diferente. Muito do que é produzido atualmente pela indústria cultural é pra reforçar essas ideias de amorzinho e mimimi.

Mas o buraco é mais embaixo, claro. A gente lê essas coisas, entende, aceita, dá razão – mas não funcionamenos bem assim. É exatamente como Woody Allen diz em “Annie Hall”:

O cara vai ao psicólogo e diz: “Doutor, meu irmão está louco; ele acha que é uma galinha”. E o médico diz: “Bom, e porque você não interna ele?”, e o cara diz: “Até internaria, mas preciso dos ovos”. Acho que é assim que me sinto sobre relacionamentos. São totalmente irracionais, e loucos, e absurdos. Mas a gente continua insistindo neles pois a maioria de nós precisa dos ovos.

A bolha hétero

O discurso de um colunista sexual gay sobre os héteros hoje em dia. Tem um pouco a ver com o que eu escrevi aqui, lembra? Veja o vídeo. É bem interessante.

Eis algo curioso sobre essa coluna que faço há tantos anos. Dos 17 aos 25 anos, quando comecei, odiava os caras héteros. Quando comecei a coluna era uma piada e eu era mal com héteros. A ideia era ter uma coluna de conselhos que fosse o contrário daquelas homofóbicas, sendo heterofóbica. Por um tempo fui todo “fuck you, straight people, fuck you, straight guys, I fucking hate you! Vão se fuder

E os héteros meio que gostaram e eu comecei a receber várias cartas de homens seguindo meus conselhos. Alguns anos depois, como o Grinch, meu coração cresceu e, de repente, eu amava os héteros. Não daquela maneira estranha que eles se amam, mas sim de uma forma platônica. Pois eu comecei a ter pena deles.

“Eles mandam no mundo, eles mandam no mundo”. É, mas mandar no mundo não é tão glamuroso, alguém tem que mandar no 7/11 e no Taco Bell e quem quer fazer isso? Deixe com eles. Mas, sexualmente, eles são miseráveis. E quem os deixa assim? Mulheres, gays e outros héteros.

A identidade heterossexual, desde o começo dos movimentos de direito civil das mulheres e dos gays, tem sido ameaçado, digamos. De alguma forma, nos anos 60, quando os gays começaram a sair do armário, de repente era gay ter seu pau chupado – não apenas chupar um pau.

Se você é um cara hetéro na América, hoje, o que te faz hétero é não ser menina e não ser bicha. Então tudo que meninas fazem ou gostam ou que bichas fazem ou gostam é proibido. E você quer manter seu currículo de hétero, então homens héteros não podem ter sentimentos, não podem ter mamilos – todo dia eu recebo cartas de héteros dizendo “eu gostaria de ter meus mamilos estimulados enquanto chupo minha namorada, sou gay?” Não! Nenhuma quantidade de carinho no meu mamilo faria uma vagina tolerável pra mim! Pode ligar a bateria de um carro neles e não funcionaria.

Não podem ter sentimentos, não podem se preocupar com o que vestem ou com suas aparências e há esse terror de que alguma coisa no sexo deles não é “normal”. Uns caras acham estranho pois só gostam de cachorrinho e isso deve ser gay, pois ser gay tem a ver com bundas, né?

E recebo cartas das namoradas também. “Meu namorado deve ser gay pois ele gosta de cachorrinho, de estimulação nos mamilos, pois ele corre pra casa pra assistir ‘ER’“. E que triste é ser hétero e ter o mundo todo fechado pra você.

Meninas vão para a faculdade e têm experiências lésbicas, até se identificam como lésbicas por um tempo, e depois se formam e falam “ah, no que eu estava pensando? Eu gosto de pinto”. E héteros se casam com elas e acham isso legal e pedem pra ouvir à respeito, mas héteros sabem que elas são hétero agora. Eles não pensam “você é lésbica, eu sei que é, pois você não teria feito essas coisas se não fosse uma lésbica secretamente e pra sempre”.

Mas se um héteros conhece, digamos, apenas um cara e eles dão uns pegas uma noite, bêbados, e os amigos descobrem, ou se sua namorada descobre… A piada é “você constrói mil pontes e ninguém te chama de engenheiro, mas chupe um pinto e você é bicha pro resto da vida”. Que tristeza!

Tem uma bombeira lésbica que trabalha perto do meu escritório e uma vez ela passou por mim e eu dei uma checada nela. Depois pensei “nossa, é uma mulher!”. Agora é uma piada nossa. Ela chegou pra mim e me disse isso. “Você quer trepar comigo, mesmo sabendo que sou mulher!” e é verdade, eu treparia com ela. E isso não me faz menos gay. Há uma mulher, no mundo inteiro, com quem eu transaria. E, héteros, não te faz menos hétero ter um homem no mundo que desperte algo assim, de alguma forma, no seu cérebro. Chace Crawford que seja! Crossdresser não te faz menos hétero. Você gosta do que você gosta.

Se seu sexo envolve um homem e uma mulher é sexo heterossexual, não importa o que vocês façam. Nem se ela enfiar o dedo no seu ânus. Não é um interruptor que vai te transformar em gay! Se ela coloca o dedo lá e você gosta, você está gostando daquela “straight finger in the ass action”! Recebo milhões de cartas com essa de “eu gosto de fio-terra, diga-me que não sou gay”, de homens e de suas namoradas. Mas não recebo cartas de gays falando que os namorados deles gostam de ver filmes pornô com mulheres. Eles não pensam “ai meu deus, ele deve ser hétero!”

Entrevista com o fotógrafo Guillermo Riveros

Nascido em Bogotá, o fotógrafo Guillermo Riveros tem feito cada vez mais sucesso agora que mora em Nova York. Ele é o objeto de todo o seu trabalho, encarnando vários personagens. Gay assumido desde os 15 anos, ele acha o máximo que as pessoas se sintam inspiradas por suas imagens tanto para escrever poesias quanto para masturbação. Eu o entrevistei pro blog Oi Tudo em Cima. Lá está tudo traduzidinho, editado e cheio de links. Aqui está a versão original da conversa, perdoe qualquer deslize meu na língua inglesa.

When you decided to leave Colombia and go to New York?
I moved to New York in the summer of 2007.

And how did New York changed you and your work?
New York has been a great influence for me; on one hand its rhythm has definitely changed my creative process. This city is also extremely vibrant and filled with millions of different people that are very inspiring when creating characters. The availability of material has also influenced the way I work and the possibilities for creation. In Colombia things are harder to find and its complicated to go out on the street and shoot anywhere. Here in New York there are very few limits.


What others photographers you admire?
There are many artists I admire. Some photographers I can think of right now are Juergen Teller, Anthony Goicolea, Cindy Sherman, John Bidgood,Slava Mogutin, Nikki S. Lee and Claude Cahun. I love Bruce LaBruce’s punk attitude, and his sense of humour, I think he is a unique mind, and the success of his images and movies come from being a very verbal and funny person. A sort of rebellious intellectual. He has influenced a lot of my ideas about pornography and art; he started a queer punk zine, called “J.D’s” in the late 80’s, that between queer music reviews and top hit lists, the lesbian Tom-of-Finland-inspired drawings of G.B Jones, LaBruce’s stories, wanted to antagonize both the gay subcultures and the punk movement. He is one of the most significant and prolific queer artists of the past decades, he has been a huge influence for me since I started working with pornography and queer culture. I’ve been thinking lately about him and the motivations behind pornographic art and how this reflects in queer identities in the age of the internet. From home made porn to facebook profile pictures, flickr, myspace and other world wide web concessionaire/open diary type platforms, where a lot of queer identities are produced and reproduced constantly: the notions of self production, representation and – why not? – self “pornographication” become instantly noticeable and open up the arena for the discussion of bodies that are exposed and observed, in a virtual world where the boundaries of private and public are pretty much invisible.


And what about movies or books? What influences your work?
This is always a hard question. Above all I have to say that one of my favorite movies and books is “The Exorcist”. Aside from that one, Its easier for me to think of directors I love, Pedro Almodovar, David Lynch and John Waters have been huge influences for me. Books, many, authors like Michel Foucault and Judith Butler. I’m currently reading Georges Bataille’s “Visions of Excess” and Julia Kristeva’s “The Powers of Horror”.

You’re working on promoting new sets of smaller prints for more affordable prices, is that correct?
Yeah, thinking about the economic situation I want to make some smaller prints at affordable prices to make my work actually more approachable. I’m currently working all the specifics, if anybody is interested in getting more information join my mailing list by emailing mailinglist@guillermoriveros.com and check my website for updates soon!

Can’t you say anything more than that?
Its Images from the series “Sigh Oh Nara!”, a couple of them are alternative versions to the images you have seen on my website (just to spice it up a notch!) This will be editioned and signed packs of 5 4″x6″ prints packed in handmade custom packaging…

Have you ever been to Brazil? What’s your impressions of us?
I have never been to Brazil, but I’m dying to go there. There are so many Brazilian things I love: my friends, the music (I’ve been listening to the likes of Marisa Monte and Fernanda Abreu since I was a kid), off course the language (the music has always made me to want to learn Portuguese, which shouldn’t be so hard considering how close it is to Spanish). I also love Brazilian food, I could eat muqueca and brigadeiro everyday!

Mais um adjetivo

Tudo começou quando uma amiga conheceu um cara. Ele era o amigo de um amigo e aconteceu deles se encontrarem por acaso no show de uma banda independente muito ruim – mas cujos membros eram também amigos e, assim, mereciam o esforço. Além do mais, a entrada era 10 reais e convidados da banda ganham cervejas.

Sem dúvidas ele era o mais velho ali, mas nem por isso menos divertido. Bem humorado, esclarecido, educado. Tudo que minha amiga sempre quis em alguém. Depois de três semanas saindo juntos e de duas noites quentes, ela descobriu que ele tinha um adjetivo a mais na lista: casado.

Devastada, ela teve que terminar tudo. Sempre existe a possibilidade de um divórcio, mas quem aí já ouviu falar de uma história assim que deu certo?

Ela me telefonou quando descobriu, coitada. É verdade que eu seria uma boa pessoa para dar conselhos ou abraços numa hora dessas. Afinal, Deus sabe quantas vezes isso aconteceu comigo – exceto que, comigo, a pessoa nunca era casada, já que esse direito ainda não é permitido aos gays, mas vocês entenderam. Embora eu conte nos dedos as pessoas que realmente mexeram comigo, perdi a conta de quantas eu tive que deixar ir pois estavam com outra pessoa ou pelo menos querendo outra.

Acontece que o cara não podia ter escolhido pior hora para revelar seu segredo. Eu estava numa dessas sessões de cinema que começam as 22h20 e, como é de costume, meu celular estava desligado. Geralmente eu o coloco no modo silencioso, não sei por que não fiz isso aquele dia. Acontece que, na falta dos meus conselhos e talvez com vergonha de contar o que havia acontecido para terceiros, ela procurou ouvir a voz de outra pessoa: Jack Daniel.

Em meia hora, não só tinha esquecido o cara, como tinha esquecido o cartão de crédito no bar, a bolsa no táxi e talvez seu próprio nome. Na manhã seguinte, tudo voltou a sua mente e com um telefonema, agora não sai da minha.

Para ouvir depois de ler: Chasing Pavements – Adele

…E as flores?

Mal se sentou na confeitaria e o telefone celular tocou. A conversa impediu que uma parte considerável do salgado folheado fosse comido, mas durou o mesmo tempo que levou para acabar com o copo, que tinha mais gelo que guaraná, inclusive.

Tinha saído para comprar presente de aniversário para um familiar e estava sentando para se recuperar de uma tarde vazia como aquela, olhando vitrine. O telefonema vinha de uma pessoa que lhe permitia três categorias de noite: 1 – sexo casual; 2 – uma festa badalada cheia de gente hype, 3 – as duas opções anteriores.

Enfiou seu pedido na boca, pagou e pegou um táxi em frente à loja de bebidas – não antes de comprar um champanhe. Mas ele estava triste e, claro, aquilo não ia acabar bem.

Eles conversaram sobre vários assuntos e ele insistia em falar de seu ex-namorado – para o total desgosto do outro, obviamente. Mas é que ele estava triste. Mais do que de costume. Eles terminaram do meio do nada. Um dia o cara fala que está apaixonado e chora ao ouvir que seu plano para daqui 2 anos envolve mudar de cidade. No outro, ele termina com você por um e-mail? Poucas pessoas perceberam como ele estava abatido, talvez nenhuma.

O champanhe já tinha acabado, mas ninguém estava bêbado. Viram TV, tiraram fotos, se masturbaram. Qualquer um podia perceber que o clima não era para sexo, então foram para uma festa.

Ninguém interessante naquele tanto de gente interessante. Enquanto um trocava de rodas de conversa o outro procurou um lugar confortável para ficar sentado entediado e emburrado com o cosmos. Foi interrompido por uma grande turma que continha amigos, desconhecidos e desafetos. Sorriu para todos e uma amiga sentou-se perto.

Ele deu um gole na cerveja e apontou para alguém que não conhecia longe. Disse sobre aquela pessoa e secretamente referindo-se a outra, que ainda não tinha entrado na história:

– Está vendo aquele ali? Tem uma vida perfeita. Estuda na faculdade federal, namora há não sei quantos meses com um moço que parece amar. Ele era só um moço comum, continua sendo, mas soube fazer amizade com quem importava. E mesmo que, no fundo, tenha fobias estúpidas, taras bizarras, desejos grotescos e chore desesperado por ajuda, vai ser tachado de simpático, inteligente e sensual para sempre. E jamais vai ter que se preocupar com coisa alguma enquanto tiver um baseado perto.

Fechou a boca, largou a cerveja e vomitou. E foi embora.


Para ouvir depois de ler:
MGMT – Kids