Livro “Eu também existo quando não estou com tesão”

Duas semanas atrás eu lancei um livro, de maneira despretensiosa e independente – e ele acabou sendo o mais vendido da Amazon na categoria LGBT+.

Eu gosto de sair escrevendo pela internet nos meus momentos livres. Como acontece, de vez em quando algum texto meu acabava sendo divulgado por alguém famoso ou compartilhado em grupos no Facebook. Nenhum deles chegou mais longe que o “Eu também existo quando você não está solitário ou com tesão” – com certeza o com mais acessos, comentários e replicações. Muita gente se identificou com essa crônica sobre sexo casual e sei que falo nela sobre algo que acontece muito nas relações gays.

Mas acredito, também, que nossa comunidade é sobre mais que gostar de alguém do mesmo sexo. Também é sobre ser revolucionário e corajoso – sabemos falar sobre muitos outros assuntos. Por isso dei este título a essa espécie de coletânea que fiz, com outras reflexões pessoais e problematizações que estavam espalhadas pelas redes. Os textos não têm ordem cronológica ou de importância (toma essa, status quo), mas são alguns dos meus favoritos.

Para comprar ou ler de graça, o link é esse daqui.

Inclusive, o desenho e o layout da capa também são meus 🙂

(A foto no topo foi feita pelo pessoal do GAYBLOGBR)

Por que muitos gays mais velhos estão deprimidos – e como evitar ser um deles

Quando você vai a um bar ou uma balada, ou quando está navegando em um desses aplicativos de pegação, qual sua reação ao ver um homem acima dos 55 anos?

Já disse uma vez (nesse post aqui) que envelhecer é o elefante branco da comunidade gay. É complicadíssimo assumir-se para si mesmo, para a família, para os amigos. E acho que, por esse motivo, há a impressão que, uma vez tudo isso feito, a vida agora é só festa. Não é bem assim, meu caro. Aliás, a vida de ninguém é só festa. Mas percebo que falta mais no homem gay essa noção, pois existem mais obstáculos em seu caminho – e ele quer que a estrada que ele anda, entre um obstáculo e outro, seja a melhor estrada possível. Super compreensível esse desejo.

Mas, por causa dele, percebo que nos tornamos maquininhas de busca pelo novo, pelo inédito e pela perfeição, três coisas que fariam essa estrada super divertida mesmo, mas que não se sustentam a longo prazo – pois são três conceitos relativos e superficiais.

É antagônico: a eterna busca pela novidade te mantém vibrante e interessante, mas também te impede de se enxergar por completo. E fica fácil escorregar e se tornar uma pessoa manipulável e sem opinião própria (afinal, você gosta das coisas que você gosta realmente por gostar delas ou você apenas quer gostar do que os outros estão gostando?).

Além disso: sem conhecimentos prévios, sem referências do passado, seu julgamento do atual e do futuro é disforme – tudo te parecerá novidade, mesmo sendo só um remix do que já existia no passado e você não buscou conhecer. Não temos tempo pra pensar nisso, nosso medo de parecer desatualizado é grande demais.

vejaE a eterna busca pela perfeição é a cereja no topo desse bolo problemático: no fim do primeiro grande surto de aids dos anos 1980, começou a aparecer aqui e ali um grupo de gays que foi chamado de Barbies, devido ao seus corpos “perfeitos”.

Eles eram uma resposta (quase em inconsciente coletivo) à imagem do gay com aids daquela época, tempos em que o preconceito era ainda maior, que os tratamentos eram bem menos eficazes que hoje, e que quem tinha a doença acabava sempre magro demais, até cadavérico em casos extremos.

Como no começo a aids foi tratada como uma doença exclusivamente gay (o que ela, de fato, não é), essa imagem do gay saudável, bronzeado e musculoso foi propagada mundo afora numa tentativa de tirar dos gays a exclusividade dessa doença – e de mostrar que tinha muito cara saudável nesse grupo. Foi daí que veio o termo em português “sarado” para pessoas com bom condicionamento físico, uma alusão a estar “curado” da doença.

Essa propaganda de estilo de vida saiu de controle e se voltou contra a própria comunidade: quem não estivesse com o corpo torneado era visto com maus olhos e tratado como um gay de segunda por esses caras que se julgavam no topo da pirâmide de beleza. Não me deixam mentir os “machos com corpo em dia, discretos e foras do meio” que você vê hoje nos apps de pegação, uma herança direta desse tipo de pensamento de 30 anos atrás.

E cá estamos agora, num grupo tratado pela sociedade com certo desprezo (onde gay só é legal na hora de fazer rir ou decorar a casa, se o assunto é sério e envolve crimes de ódio ou direitos civis, todo mundo desvia o olhar de você) e onde existem esses preconceitos internos. Todo dia aparece uma cantora nova ou um filme novo ou uma série nova ou um vídeo engraçadinho novo na internet que você pre-ci-sa ver e, depois, ficar repetindo sem parar, achando que a vida – e que ser gay – é sobre isso. Pelo menos no grupo ao meu redor as coisas são assim, certamente cada grupo tem suas “regras” próprias.

A questão é que ninguém ousa ser muito diferente disso, não ousamos botar o pé pra fora demais desse mundinho, pois existe um medo de ficarmos “presos” do lado de fora de um grupo que já é fechado e isolado dos demais. vivemos em uma sociedade heteronormativa, afinal.

A celebração da juventude acontece entre todos os grupos sociais, mas é particularmente forte entre gays. Vemos cada vez mais uma pressão externa (que aí vira interna e depois externa de novo) por uma perfeição física e também de costumes e trejeitos que são ou praticamente inalcançáveis ou vão contra a própria natureza da pessoa em questão. Homens que são muito magros, gordos demais, sem barba ou que são afeminados, por exemplo, parecem não ter vez – e essas características, na maioria das vezes, não são opções dessas pessoas, elas nascem assim e mudar isso nelas mesmas não é uma opção que as deixará bem consigo mesmas.

Captura de Tela 2016-01-10 às 22.05.29E vira esse ciclo, onde todo mundo tenta um pouco, na medida do possível, manter-se “no grupo” por um desses dois caminhos (de estar por dentro da modinha do momento e de correr atrás do corpo perfeito) ou tentando uma combinação deles. Isso não é um julgamento meu, são apenas fatos: a sensação de pertencimento é importante quando vivemos em grupo, somos animais de cultura.

Mas quão longe é longe demais? Somos reféns de nós mesmos, nesse sentido, voltando para a questão lá de cima que é, pra mim, a conclusão de tudo: você gosta das coisas que você gosta por realmente gostar delas ou te ensinaram que aquilo ali é que é bom e você engoliu? Engolimos essa regras desconfortáveis com medo de virarmos piada, de virarmos alvo de crimes, com medo de gostar de coisas que seus amigos não conhecem e se isolar ainda mais.

O que você está fazendo por si mesmo e o que você está fazendo apenas pelos outros? Se você se perguntar esse tipo de coisa e for honesto na resposta para si mesmo, se deixar levar na reflexão e se observar com cuidado, vai saber responder. E essas respostas, uma a uma, podem te ajudar a entender quem você realmente é, do que você realmente gosta, quanto você realmente vale.

Entenda: você é mais que seus seguidores no Instagram, você é mais que os discos que você ouve, você é mais que seus músculos bonitos, você é mais que um nome na lista da festa, você é mais que os memes que reproduz. Mas se você mesmo precisa se enxergar assim.

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81 anos (e 9 meses) sendo gay! Mas talvez seja apenas uma fase.

E não é só achismo meu, tem pesquisa mostrando isso. Gays idosos têm maior tendência à depressão, segundo esse estudo aqui. Afinal, esses gays, agora na terceira idade, foram criados (como nós estamos sendo) dentro de uma cultura de idolatria do corpo e da novidade e, agora, sofrem da sobreposição de dois preconceitos internalizados, contra gays e contra pessoas mais velhas.

Quando a juventude e as novidades passaram, o que sobrou para eles? Pergunte-se: o que vai sobrar para você?

Quanto mais cedo a gente refletir sobre esse assunto, quanto mais cedo pararmos de vermos os mais velhos como incapazes, feios ou inúteis, mais fácil vai ser de tirar essas vendas estúpidas dos nossos olhos – e o resultado é uma boa saúde mental (na velhice e agora).

E temos coisas que precisamos comemorar: ser gay hoje ainda é complicado, mas bem menos que nas décadas passadas. A próxima geração de gays velhos vai ter bem menos membros que foram expulsos de casa ou proibidos de casar com quem queriam, o que já pode garantir um futuro melhor, de forma geral.

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Printscreen de um perfil no app Grindr

Quando você vai a um bar ou uma balada, ou quando está navegando em um desses apps de pegação, qual sua reação ao ver um homem acima dos 55 anos? Lembre-se que você vai virar um deles um dia e esse dia vai chegar mais rápido do que você imagina agora.

Se você é um jovem que não sente atração por velhos, só vai descobrir o “mercado” efervescente das relações inter-idades quando você for a parte velha do casal. E é impressionante o número de gays jovens que só se relacionam com velhos. Não é o estereótipo da relação de interesse (“sugar daddy”) e não é o caso “gosto de mais velhos” quando um cara de 22 anos quer um de 30. São velhos mesmo, de 60, 70 anos. E tudo bem. “Ah, mas eu não quero estar solteiro aos 60 anos”, muitos me dizem. Mas quem disse que isso é regra? Talvez você não enxergue os relacionamentos maduros que são felizes e duradouros pois esses casais simplesmente não frequentam os mesmos lugares que você.

Envelhecer é preciso, pois é inevitável. Não só envelhecer, aliás, amadurecer também. É só olhar aí ao seu redor e você vai ver um bando de homem com 35 anos nas costas ouvindo a música pop que é feita por gravadoras para meninas de 11 anos e lendo nada mais que livros para adolescentes. Esses exemplos sozinhos não dizem nada, claro – você pode fazer essas coisas e ser uma pessoa ótima e esclarecida -, o que quero dizer é que o único conceito de tempo que existe é que ele está passando. E o que você está fazendo de valioso com o seu? O que você está construindo para você mesmo a longo prazo?

A gente envelhece uma hora e ignorar esse fato não vai afastar a velhice de você. Refletir sobre seu futuro, sua velhice, sobre solidão, doença, aposentadoria e até sobre sua morte, não tem nada a ver com depressão ou pessimismo, tem a ver com ser realista. Já que, inclusive, há um limite pro que você pode fazer pela sua própria aparência também.

Acredite: ninguém chega no próprio leito de morte e olha para trás desejando ter dormido mais e viajado menos. Tudo bem querer ser alguém na noite hoje. Mas seja alguém no dia também.

Pensando com Laerte

No filme “The Cement Garden”, de 1993, a personagem de Charlotte Gainsbourg é flagrada vestindo um menininho com roupas femininas. Ao ser questionada pelo irmão mais velho dele, ela diz: “Garotas podem usar jeans, usar camisetas e botas, pois é aceito ser um menino. Mas para uma menino, ser uma menina é degradante. Pois você acha que ser menina é degradante. Mas, secretamente, você adoraria saber, não adoraria? Como é que se sente uma garota?”

Tem bem pouco tempo que Laerte, um dos maiores e melhores cartunistas do Brasil, resolveu fazer algo muito corajoso: revelar para todo mundo que curtia uma onda crossdresser – que é quando uma pessoa começa a usar algumas peças de roupa ou certos acessórios que são, geralmente, atribuídos ao sexo oposto. A declaração foi dada à revista Bravo!, em sua versão impressa e também em uma pequena entrevista em vídeo, aqui.

“Na verdade, a minha convicção é que todas as pessoas gostariam de experimentar muito mais do que aquilo que os códigos sociais permitem, recomendam e limitam. Em se tratando de roupas, acho que as pessoas gostariam de frequentar outros parâmetros e outras áreas também. A vontade de vestir roupas femininas é muito mais frequente do que se imagina. As pessoas sofrem muito por não fazer isso, por achar que é uma vergonha ou algum tipo de diminuição.”, diz ele de forma natural e lúcida. “Vestir uma roupa feminina é constestar um parâmetro de gênero que vigora na sociedade. No limite, é uma coisa política. No fundo, é uma contestação de proposta de mudança. Mas é um prazer meu também”.

Fico feliz em ver gente que enxerga como uma babaquice esses mitos. Dividir a humanidade em gênero é uma coisa que nasceu com as religiões, com a ideia de que a divisão deveria vir das metades necessárias para conceber uma nova vida e com as antigas crenças da vida em matrimônio.

Voltando ao Laerte: “Eu não estou imitando uma mulher, não quero passar por mulher. Eu estou confabulando com um modo de ser que vem sido atribuído às mulheres. Assim como as mulheres – enquanto gênero – frequentam hoje modos, vestimentas e comportamentos que eram exclusivamente masculinos, acho que os homens deviam fazer essa passagem também”. Acho que ele tem razão.

Hoje, uma mulher tem a liberdade de usar calça, sapatos sem salto, não precisa de espartilho, pode falar alto, grosso e beber cerveja. Enquanto isso, nenhum homem pode usar blusa rosa, beber um drink de frutas, comer arroz integral ou ler poesias. A gente – eu, você, nossos pais, nossos tataravôs – chegou aqui há pouco tempo e se engana achando que o mundo sempre foi assim. As coisas foram evoluindo de uma maneira que, por sua lentidão, parecem naturais, mas não são. Em outras culturas, em outras épocas, matar um animal para comer era pecado; era impossível mudar de classe social; bebês usarem roupas amarelas atraía dinheiro; homens só faziam sexo com mulheres para procriarem, pois o prazer mesmo vinha da relação com outros homens.

As gerações mais recentes são daquelas que obrigam o menino a enfrentar precocemente situações para as quais ele talvez não esteja preparado, mas tem de ir em frente porque é homem. Não pode ter medo, não pode chorar, não pode dançar, não pode gostar de arte. O resultado é um bando de gente despreparada para lidar com o desconforto, com o sagrado, com o feminino – e um monte de mulheres insatisfeitas com seus próprios homens, claro.

A chamada “cultura ao redor” não pode ser mais forte do que nossa vontade de mudar e nossa inclinação a pensar diferente, a pensar sobre nossos hábitos e sobre os nossos próprios pensamentos. Não há quem resista a tanta pressão e angústia, presentes dos dois lados da moeda. Passou da hora de todo mundo aprender a cuidar da sua vida. No seguinte sentido: se a coisa que faz bem para você não faz mal para ninguém, significa que a coisa faz bem a todos. Liberdade é isso.

Quem sou eu para falar de protetor solar?

Não sei se vocês está sabendo, mas esse tal encontro entre os presidentes do Brasil e do Irã envolve mais do que comércio. Como bem disse Alexandre Garcia, quando o assunto é política externa, Lula é da teoria de que é melhor não ficar isolado.

Nosso país, que já tem importante presença no Haiti, voltará ao Conselho de Segurança da ONU ano que vem e recebeu líderes de Israel e da Palestina. Lindo. Mas, por outro lado, hospeda um presidente deposto que não quer eleição, hospeda um italiano que pegou em armas contra uma democracia e agora recebe o Irã.

Enquanto aguardava a chegada do iraniano, Lula conversou com os jornalistas e confirmou sua intenção de propor uma partida de futebol entre a seleção brasileira e um time combinado de jogadores palestinos e israelenses.

Essa é a política externa diplomática do PT paternalista que eu conheço, minha gente. Pois Lula é gente do povo. Vamos pegar gente do Oriente Médio, um dos poucos lugares no mundo capazes de ser palco de uma terceira guerra mundial, e colocá-los para correr atrás de uma bola.

Admito: se a partida acontecer, ganhando a seleção brasileira, ganha o Brasil. Perdendo, ganham israelenses e palestinos, pois estão todos no mesmo time. Metáfora poderosa. Mas a imagem vai ser linda na gringa. Já vejo manchetes falando para os leitores prestarem atenção no Brasil. Olha só ele, o maior país da América do Sul, que não sabe fazer mais nada exceto chutar bola.

Sem contar que acho quase divertido ver Lula usar o esporte para amaciar teocracias. Tem povo mais competitivo que povo religioso?

Dou mais dois cliques no site e vejo que manifestantes fizeram um protesto contra a decisão da Anvisa de proibir o bronzeamento artificial. A instituição veio dizer que ouviu uma tal de Organização Mundial de Saúde alertar que uns estudos mostram que a prática estética aumenta em 75% o risco do desenvolvimento de melanoma – o mais grave tipo de câncer de pele.

Se no Brasil uma partida de futebol é mais importante que uma política externa sóbria e estão fazendo passeado à favor do direito ao câncer de pele, quem sou eu para escrever sobre voto consciente, corrupção, desvio de dinheiro e protetor solar?