O pop tem razão: “Princes Familiar”

“Eu era deprimido pois ouvia música pop ou eu ouvia música pop pois eu era deprimido?” Essa é uma questão de ‘Alta Fidelidade’, não sei se do filme ou do livro ou dos dois. O que interessa é que a dúvida é pertinente. Para tentar extrair dela algum divertimento – ou alguma sabedoria – criei essa categoria no blog para analisar músicas que gosto.

Acredito que, se você é uma pessoa minimamente informada, já sabe que seu gosto pessoal é menos pessoal do que parece. Desde que nascemos, somos influenciados e ensinados a gostar (ou reprovar) comportamentos, roupas, tipos de corpo, cores de pele, tipos de relação, orientações sexuais. Demora pra gente desconstruir tudo isso, muitas vezes nem conseguimos.

Por isso gosto tanto de “Princes Familiar”, da Alanis Morissette. Ela, que sempre canta sobre relacionamentos e decepções amorosas, tem um fôlego diferente aqui, cantando sobre a influência que nossa criação tem na nossa expectativa de vida a dois.

As estrofes mostram o que ela quer da pessoa ao seu lado. Ela pede, por favor, que seja uma pessoa filosófica, em contato com a própria feminilidade, capaz de tomar decisões, louca e curiosa.

Mas o refrão da música é dedicada aos pais: “Pais, amem suas princesas para que elas achem príncipes amáveis familiares. Pais, chorem por suas princesas para que elas achem príncipes gentis familiares”.

Ela pede que os homens sejam doces com suas filhas para que elas crescem com um bom referencial de masculinidade. Para que, ao encontrarem em seu caminho homens gentis, sintam que há algo gostoso e familiar ali.

Alanis começa a listar características negativas para a pessoa ao seu lado, como se estivesse implicitamente dizendo que seu próprio pai não a cobriu com o afeto que ela desejaria ter recebido, e que isso causou confusões em sua busca por amor.

“Por favor, seja viciado em sexo. Por favor, seja imprevisivelmente infeliz. Por favor, seja muito absorvido em si mesmo (não do jeito bom). Por favor, seja viciado em alguma substância.”

O refrão segue a mesma ideia anterior, voltando aos conselhos para pais. É como se estivéssemos vendo, em velocidade acelerada, os relacionamentos que começam e terminam e a reflexão que fica no meio. “Pais, ouçam suas princesas para que elas achem familiares os príncipes atentos; para que elas achem familiares os príncipes curiosos”.

Depois, há uma estrofe muito interessantes em que Alanis faz uma lista com os motivos de estar apaixonada por alguém. Entretanto, o relacionamento soa um pouco abusivo, desses em que amor e ódio parecem estar entrelaçados – talvez por causa dessa falta de referência dentro de casa, com os próprios pais, sobre como é ter um relacionamento saudável.

“Por favor, seja a minha decisão sem pensar, eu te completo sempre. Você termina as minhas frases, eu acho que te amo. Qual é o seu nome mesmo? Não importa. Eu estou terminando seus pensamentos corretamente. E eu amo como você aperta os meus botões, tanto que às vezes eu poderia até te estrangular”, ela diz. Expectativas sobre vida amorosa podem ser tão altas que, sem perceber, muitas vezes estamos acompanhados mas não estamos nos relacionando com ninguém, apenas com o nosso próprio ideal, com os conceitos de relação – amando alguém que não conhecemos e não nos faz feliz por, simplesmente, estarmos com vontade de amar “alguém”, de estar “apaixonado”.

E voltam as dicas do refrão: “Pais, riam com suas princesas para que elas achem familiares os príncipes engraçados. Pais, respeitem suas princesas para que elas achem familiares os príncipes respeitosos”.

Por isso resolvi escrever sobre essa canção neste Dia dos Pais. A música não é exatamente sobre isso, mas nosso conceito de masculinidade é tão tóxico que faz com que pais não consigam expressar afeto – e isso interfere em como sua prole vai levar a vida. Costumamos brincar que, na psicologia, “é tudo culpa da mãe” ou “é tudo culpa dos pais”. Mas a verdade é essa mesmo.

Não que eles sejam más pessoas de propósito, mas são humanos, consequentemente cheios de defeitos e traumas. Quando somos crianças, nossas primeiras relações são com nossos pais. Para o bem ou para o mal, são eles nos ensinam a ver o mundo do jeito “defeituoso” deles. E, na medida em que crescemos, é uma missão gigantesca limpar esses óculos que nossos pais nos deram, para conseguir ver as coisas como elas são de verdade e poder nos relacionar com quem é diferente da gente e, principalmente, com quem é diferente deles. Refletir sobre suas ações – e mudá-las – pode quebrar vícios de gerações.

“Por favor, seja estranhamente enigmático. Por favor, seja igual o meu…”

O pop tem razão: Mansionz

“Eu era deprimido pois ouvia música pop ou eu ouvia música pop pois eu era deprimido?” Essa é uma questão de ‘Alta Fidelidade’, não sei se do filme ou do livro ou dos dois. O que interessa é que a dúvida é pertinente. Para tentar extrair dela algum divertimento – ou alguma sabedoria – criei essa categoria no blog para analisar músicas que fazem algum sentido pra mim.

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Com exatamente um ano de atraso em relação à data de lançamento, estou viciado no álbum homônimo do Mansionz, projeto que junta Mike Poster e blackbear (pseudônimo de Matthew Musto).

Pra quem nunca ouviu falar desses caras: Posner é dono do hit “I Took a Pill in Ibiza” e foi um dos compositores de “Sugar”, do Maroon 5, e também já trabalhou com Pharrell, Nelly, Snoop Dogg, Nick Jonas, Avicii e mais um bando de gente, além de ter escrito “Boyfriend”, do Justin Bieber, junto do próprio blackbear. Este último, por sua vez, já trabalhou com Linkin Park, James Blake, Machine Gun Kelly, Rivers Cuomo (do Weezer) e Childish Gambino, a persona musical de Donald Glover.

Mas as músicas de “Mansionz” (2017) não tem muito a ver com nenhum desses nomes citados e me soa fresca, em um equilíbrio perfeito entre comercial/pessoal. As letras são tensas, bem pesadas, muitas vezes até suicidas, mas invariavelmente tocantes e poéticas.

“My Beloved” é sobre o momento agridoce pós-termino em que você tem dúvidas se ainda gosta ou não da pessoa; “STFU” fala sobre a necessidade de ter/dar espaço na era dos relacionamento de celular, por cima de um riff contagiante; “Dennis Rodman” é sobre se vestir e se comportar do jeito que você quiser, mas sob uma perspectiva um pouco mais existencial que certos hinos adolescentes – e o Dennis Rodman verdadeiro, o jogador de basquete que ficou famoso por suas roupas escandalosas e jeito afeminado, participa da música. Os meninos do Mansionz citam mais de uma vez no disco sobre os preconceitos que enfrentam pelo lifestyle que têm, como seus cabelos verdes por exemplo.

“I’m Thinking About Horses” é um poema falado, com reflexões aleatórias que passam sobre a existência de deus, a descartabilidade do sexo, a velhice dos nossos pais, a vontade de morrer e, claro, cavalos – ou sobre a enorme força que eles têm apesar de terem sido domados.

“Rich White Girls” e “Strip Club” formam uma boa dupla: além do ar californiano dos arranjos, as letras se completam. A primeira reclama de como é estar junto de meninas privilegiadas (“o que eu posso te dar que seu papai não pode te dar?”), e a segunda narra a ida dos caras a uma boate de strip, como que numa atitude de desistir de relacionamentos de uma vez. Como quem diz: a gente reclama de carência e falta de respeito conosco, mas estamos oferecendo afeto e respeito aos outros?

Em tempo, o clipe de “Rich White Girls” é uma pérola por si só, uma paródia plástica dos clipes femininos de grande parte da atual geração da música pop. É tudo lindo, mas muitas vezes parece que nem a pessoa ali dentro tem noção do que está acontecendo e o clipe traz bastante disso. Cada take é uma critica velada à falta de individualidade que o excesso de dinheiro ou busca da fama pela fama podem trazer, além do efeito colateral de tudo isso, que só quem está nos bastidores sabe.

E mesmo sem prestar atenção nas letras, esse é um disco bom: parece feito para ouvir por inteiro (o que é raro hoje em dia). Todas as faixas têm elementos de todas as outras e o álbum parece uma longa música sem fim, você não sabe onde uma termina e outra começa, e mesmo as faixas mais “tradicionais” têm um crescimento, poucos refrões se repetem, e a sensação é quase transcendental – “Nobody Knows” se destaca aqui, por começar e terminar de jeitos completamente diferentes, ter um vocal feminino no refrão, e ainda assim oferecer uma unidade.

O álbum também foi lançado em vinil, o que faz muito sentido. É um bom disco para colocar para tocar enquanto se recebe amigos em casa sim, algumas faixas animariam a pista de um clube mais alternativo sim, outros entrariam fácil em coletâneas bunda mole de “música lounge” sim; mas minha recomendação é de uma audição dedicada: sozinho, com fones ou num volume bem alto, prestando atenção em cada barulinho, letra e trabalhos de voz da dupla e de seus featurings.

Sei lá. Eu tô ouvindo esse disco sem parar. Me salvem ou ouçam comigo, por favor.

O pop tem razão: “Liability”

“Eu era deprimido pois ouvia música pop ou eu ouvia música pop pois eu era deprimido?” Essa é uma questão de ‘Alta Fidelidade’, não sei se do filme ou do livro ou dos dois. O que interessa é que a dúvida é pertinente. Para tentar extrair dela algum divertimento – ou alguma sabedoria – criei essa categoria no blog para analisar músicas que fazem algum sentido pra mim.

Pode apenas ser meu momento de vida, mas a música nova da Lorde me pegou de jeito. Gosto do que essa menina faz: a maior parte do som dela, na minha opinião, se equilibra bem entre ser comercial e ser pessoal, um feito que não muitos artistas atuais conseguem – alguns nem tentam.

A música em questão é “Liability” (composta por Yelich-O’Connor, de 16 anos!), palavra em inglês que significa responsabilidade, dependência, deficiência. Em outras palavras, um fardo. E ela usa o termo para se descrever nos relacionamentos. A canção começa com ela narrando o fim de um deles, e sugerindo que isso é bem comum: “Meu amor realmente me magoou, chorando no táxi, ele não quer me conhecer. Disse que cometeu o grande erro de dançar na minha chuva. Diz que ela é um veneno”.

A música segue: “Então, acho que vou para casa, para os braços da garota que eu amo, o único amor que eu não arruinei. Ela é difícil de agradar, mas ela é uma fogueira na floresta. Eu faço o meu melhor para agradá-la. Sou romântica, danço devagar na sala de estar. Mas tudo que uma pessoa de fora vai ver é uma menina balançando sozinha, acariciando a própria bochecha”.

Nesse trecho ela conta como, depois desse término, ela voltou para os braços da única pessoa com a qual ela se deu bem: ela mesma. E conta como esses relacionamentos que vem e vão fazem parte de um plano particular para que ela melhore a própria vida, sempre se colocando metas e impondo condições para novos amores que queiram entrar na sua rotina, como por exemplo ser romântica (ao invés de ser prática ou promíscua), mas mesmo assim ela acaba sozinha.

Um outro jeito de interpretar essa parte é que ela pode estar criticando as outras metades dessas relações que acabam: de fora, a gente vê ela dançando sozinha pois o cara que está com ela não se jogou no relacionamento – e a ilusão de estar numa relação faz com que ela acaricie a própria bochecha, achando que tem um outro alguém ali. No final, na verdade, ela nunca esteve (bem) acompanhada.

Gosto dessa metáfora da fogueira na floresta: é assim que toda pessoa incompreendida se sente; uma chama no meio das árvores que pode aquecer um acampamento ou ser o começo de um incêndio incontrolável. E a quantidade e o tipo de lenha que se coloca nessa fogueira é o que decide esse destino.

E então ela chega no refrão: “Eles dizem: ‘você é um pouco demais para mim, você é um fardo’. E então eles dão um passo para trás, fazem outros planos e eu entendo [o lado deles], pois eu sou um fardo. Te deixo louco, te faço ir embora, sou um pouco demais para todo mundo”. Essa parte é especialmente triste e foi a parte que mais me deixou para baixo quando ouvi a música pela primeira vez.

Eu já cansei de ouvir coisas parecidas em relacionamentos. Ser independente, saber o que quero e não me deixar cair em manipulações mentais sempre me faz ser rotulado como “difícil”, que é só um jeito diferente de ser chamado de “maluco” ou, simplesmente, “chato”. Aquele famoso jeito de invalidar os sentimentos de uma pessoa porque eles fazem você se sentir desconfortável, por eles te fazerem pensar em coisas que você não quer pensar – sobre você, sobre o relacionamento, sobre o jeito que você trata o outro, sobre o amor, sobre o mundo, sobre a vida.

“A verdade é que eu sou um brinquedo com o qual as pessoas se divertem até que os truques não funcionam mais e eles se entediam comigo”, continua a letra. “Eu sei que é excitante correr pela noite, mas cada verão perfeito me devora viva até que você vai embora. Estou melhor sozinha”. Essa conclusão é poderosa pois traz uma luz diferente ao refrão: se Lorde conclui que está melhor sozinha, ser um fardo é menos doloroso do que parece. É como se ela estivesse dizendo que não, ela não é um fardo em si, ela é um fardo para quem não consegue compreendê-la e/ou valorizá-la. Por isso, é melhor mesmo abrir mão dessas pessoas.

Acredito que é por isso que ela, no refrão, repete quando o outro fala que ela “é um pouco demais” e concorda com facilidade sobre ser “liability”; se o outro te considera uma dessas coisas, então você é uma dessas coisas para esse outro. E queremos do nosso lado alguém que não nos enxergue dessa maneira. Quem nos considera um fardo merece nossa companhia, nossas histórias, nossos carinhos?

E, na minha interpretação, ela volta à metáfora da fogueira na floresta ao fim da música. Depois de repetir o refrão mais uma vez, ela termina a canção falando que “eles vão me assistir desaparecer sob o sol”, sugerindo também que, enquanto passa por pessoas que não conseguem valorizá-la pelo que ela é, ela vai perdendo sua essência, seu brilho e seu calor. Quando o sol sair, aquela fogueira – com potencial de aquecer e incendiar – vai ter minguado e estará apagada, sendo apenas cinzas.

Toda essa minha interpretação não faz com que a música soe menos triste aos meus ouvidos. Mas ela é mais positiva do que pode parecer nas primeiras ouvidas. Não chega a acalentar, mas me dá vontade de abraçar a cantora, falar que eu já passei – e, infelizmente, ainda vou passar de novo – por tudo isso. Mas que vai ficar tudo bem.

E, principalmente, me fez pensar: que lenha eu estou botando (ou deixando botarem) na minha fogueira? E que lenha estou colocando na dos outros?

O pop tem razão: “Chained to the Rhythm”

“Eu era deprimido pois ouvia música pop ou eu ouvia música pop pois eu era deprimido?” Essa é uma questão de ‘Alta Fidelidade’, não sei se do filme ou do livro ou dos dois. O que interessa é que a dúvida é pertinente. Para tentar extrair dela algum divertimento – ou alguma sabedoria – criei essa categoria no blog para analisar músicas que fazem algum sentido pra mim.

Tem dias que a nova música da Katy Perry não sai da minha cabeça. Composta por ela, Sia e Max Martin (entre outros), “Chained to the Rhythm” é um dancehall com a melhor letra que já ouvi essa guria cantar.

Depois da vitória de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos, foi a vez deles perceberem em larga escala o que já tínhamos sentido no Brasil durante os papos sobre o impeachment de Dilma: todos nós vivemos em bolhas sociais, convivendo apenas com quem tem opiniões iguais às nossas, e os algoritmos das redes sociais e dos mecanismo de busca ajudam muito nessa sensação.

Perry canta sobre isso. “Tão confortáveis, vivemos em uma bolha. Tão confortáveis, não vemos os problemas. Não é solitário aí na sua utopia onde nada nunca será o suficiente?”, diz. “Então coloque seus óculos rosas e continue a festa”, canta ela, o que para mim é um jeito de apontar para esse comportamento que menciono. É fácil ignorar o que há de errado e continuar se divertindo no nosso mundinho.

“Aumente o volume, é a sua música favorita. Dance ao som da distorção. Aumente o volume e repita a música, tropeçando como um zumbi bêbado”. Gosto desse trecho por conta das frases no imperativo, que são as mais usadas na publicidade. Ela continua: “É, nós achamos que somos livres. Beba, esse é por minha conta. Estamos todos algemados ao ritmo. Vamos continuar varrendo tudo para debaixo do tapete”. Aumente, dance, repita, beba; compre, experimente, clique.

Nada me faz mais feliz nessa vida que música pop com conteúdo. Já mencionei antes aqui que é por isso que gosto tanto do que Sia (que inclusive escreveu essa música com Katy Perry), Robyn, Madonna e Alanis Morissette têm a dizer. Sinto que quase tudo que elas cantam tem uma camada mais profunda a ser explorada e acho que combina muito uma batidinha animada com uma letra pesada – mas não é que eu não veja valor nos artistas que são declaradamente apenas “entertainers”; o que eles fazem pode não ser sofisticado do ponto de vista artístico, mas ouvir uma música leve ou ver um show colorido que te faça esquecer um pouquinho do seu dia a dia cansativo também tem seu valor.

postmanVoltando para a letra de “Chained to the Rhythm”, queria falar um pouco sobre a visão de futuro de “1984”, livro de George Orwell, e de “Admirável Mundo Novo”, do Huxley, que é a minha favorita por achar a mais coerente.

Como bem observou o teórico de comunicação Neil Postman no livro “Amusing Ourselves to Death: Public Discourse in the Age of Show Business”, Orwell temia censura, temia que livros fossem proibidos. Já Huxley temia que nem haveria necessidade de censura por conta da falta de interesse por obras literárias críticas, devido à supervalorização do entretenimento. Orwell temia também censura de informações, enquanto Huxley profetizou um futuro com um excesso tão grande de informações que cada indivíduo escolheria as suas verdades e viveria dentro de um mundinho de passividade e egolatria, onde os fatos seriam afogados em um mar de irrelevâncias menores que ganhariam muita importância. E, finalmente, o ponto mais significativo para a análise dessa música pop aparentemente tão inocente: em “1984”, as pessoas são controladas pela dor, em “Admirável Mundo Novo”, elas são controladas pelo prazer – e eventualmente arruinadas exatamente por tudo aquilo que achavam amar.

Essa comparação entre o que esses visionários acreditavam que seria o futuro é muito interessante para mim. Katy Perry fazendo uma crítica à sociedade de consumo e às redes sociais é como se um ditador autoritário fizesse um discurso defendendo a liberdade de expressão. A própria cantora faz parte de toda essa engrenagem: direta ou indiretamente, ela é a garota propaganda de inúmeros produtos, de um lifestyle almejado por muitos, e seus fãs saem no tapa com fãs de outras cantoras em brigas sobre clipes e vendas e premiações, como se algum desses itens os afetassem em nível pessoal.

Como é fácil observar, qualquer movimento de contra-cultura pode ser facilmente absorvido pelo mundo capitalista que ele critica se tiver um jeito de ele gerar lucro. É só prestar atenção no número de projetos com nudez atualmente, de pessoas com tatuagens nas ruas e nos países onde maconha está sendo legalizada. Sob esse aspecto, Perry não faz nada além de dançar conforme a dança: estão todos sendo políticos e criticando a sociedade/o governo? Então também vou!

Mas talvez a força dessa música – e dessa fase que a carreira dela parece estar prestes a entrar – esteja exatamente nisso. Perry praticamente canta um desses textões de Facebook onde o interlocutor aponta vários problemas que ele percebeu em casa, na rua ou no trabalho, mas termina com um “vida que segue”, sem apresentar nenhuma solução real à adversidade apresentada. A metalinguagem da canção é que mesmo esse discurso de “precisamos fazer algo/não vou fazer nada ativamente” faz parte do sistema – e, de certa forma, o mantém intacto. Afinal de contas, ser contra um movimento é ainda fazer parte dele, como disse certa vez o artista Pablo Picasso.

Apesar de tudo isso, que pode ser chamado de hipocrisia ou oportunismo, acredito no valor dessa música. Em comparação ao cenário pop atual, ela é menos óbvia musicalmente, tem uma letra interessante e menos egocêntrica que as das cantoras “concorrentes”. Talvez tudo isso passe batido por alguns dos fãs, mas se ela ajudar alguns deles a abrirem os olhos, ela já fez mais do que quase todos os hits no topo das paradas atualmente.


(meoooo, isso é muito black mirror)

O pop tem razão: “Fools”

“Eu era deprimido pois ouvia música pop ou eu ouvia música pop pois eu era deprimido?” Essa é uma questão de ‘Alta Fidelidade’, não sei se do filme ou do livro ou dos dois. O que interessa é que a dúvida é pertinente. Para tentar extrair dela algum divertimento – ou alguma sabedoria – criei essa categoria no blog para analisar músicas que fazem algum sentido pra mim.

“Killing Me Softly”, aquela música da Roberta Flack, fala sobre uma pessoa que se sente tocada por uma canção de uma maneira muito pessoal e dolorosa. “Era como se ele [o cantor] tivesse achado minhas cartas e as lido em voz alta”, ela diz. A música que me causa isso, no momento, é “Fools”, do Troye Sivan, faixa do álbum “Blue Neighbourhood”. Estão escancarados nessa letra todos os meus amores não-correspondidos e meus fracassados planos de tentar entrar no mundo de uma pessoa sem criar expectativa de relacionamento. Quando ouço Troye, é como se ouvisse o meu eu adolescente cantando pra mim.

“Estou cansado deste lugar, eu espero que as pessoas mudem. Preciso de tempo para substituir o que eu doei. E as minhas esperanças, elas são altas, devo mantê-las baixas. Embora eu tente me controlar, eu ainda quero tudo”.

Em seguida, fala mais sobre as expectativas de vida a dois, sobre como está sempre fazendo planos lá na frente mesmo sem certezas do presente. “Eu vejo piscinas e salas de estar e aviões. Eu vejo uma pequena casa na colina e os nomes das crianças. Vejo noites tranquilas e Tanqueray [marca de gin] com gelo. Mas tudo está se quebrando e o erro é meu”. Amo essa parte pois descreve, literalmente, o meu primeiro amor. Ele foi arrebatador de um jeito que nenhum outro foi – por falta de comparação na época e também devido à minha ingenuidade.

Acreditar em vida a dois, para sempre, era bem mais fácil aos 16 anos. E dei de cara com o muro, vendo que nada do que sonhei aconteceria, e sofri muito, durante muito tempo. Especialmente por colocar nos meus ombros a responsabilidade de tudo que deu errado. Eu achava que sofria sozinho, acompanhado das expectativas que criei, que a responsabilidade não era também dele, que o erro era todo meu.

Mas, como diz Troye no refrão, “apenas bobos se apaixonam por você”. Eu devia saber no começo que não daria certo. Eu o enxergava como uma pessoa em um nível superior ao meu devido à sua beleza e maior experiência, mas acho que foi exatamente isso que me fez perdê-lo. Queríamos coisas diferentes, e isso é normal, mas quando só uma metade sai machucada, pode saber que ela sai com muito mais dor que o normal. Éramos vizinhos e me doía vê-lo pela rua, então quando finalmente consegui mudar de casa, escrevi (e nunca mandei) um e-mail contando todo o meu alívio.

A terceira e última parte é mais esperançosa, pra mim. Troye canta como se já tivesse aceitado que aquela pessoa ali não vai ficar ao seu lado, lista os problemas dela, mas mostra otimismo para os próximos amores: “Nossas vidas não colidem, estou ciente disso. As diferenças e impulsos e a sua obsessão com as coisas pequenas. Você gosta ‘em barra’, e eu gosto de aerossol. Eu não dou a mínima, eu não vou desistir, eu ainda quero tudo”.

Como escrevi uma vez (nesse texto aqui), quando você menos esperar, e de onde você menos esperar, surgirá um novo alguém. Mas esse pensamento fica sempre ali no canto da minha cabeça e eu fingindo que não estou vendo. Fico sempre criando expectativas ao mesmo tempo que finjo não as ter.

Qualquer atenção recebida a mais, eu já construo uma vida inteira com a pessoa. Até quando vou brincar de me enganar? Apenas bobos se apaixonam? Talvez eu seja bem bobo mesmo.

O pop tem razão: “All The Rowboats”

“Eu era deprimido pois ouvia música pop ou eu ouvia música pop pois eu era deprimido?” Essa é uma questão de ‘Alta Fidelidade’, não sei se do filme ou do livro ou dos dois. O que interessa é que a dúvida é pertinente. Para tentar extrair dela algum divertimento – ou alguma sabedoria – criei essa categoria no blog para analisar músicas que fazem algum sentido pra mim.

Um dia desses eu estava ouvindo Regina Spektor e me bateu uma melancolia enorme ouvindo uma música que eu já tinha ouvido muitas vezes e que nunca tinha batido assim – talvez eu estivesse mais sensível naquele dia. Em “All The Rowboats” ela canta sobre obras de arte e me fez lembrar de uma vez que comparei com pinturas uma pessoa que eu gosto [foi nesse texto aqui].

Nota: sei que Regina Spektor compõe de forma muito livre e lírica, no sentido de ser desligada da realidade, de sentido, até mesmo de storytelling. Tudo que tirei dessa letra tem a ver com o que ela me fez sentir, não necessariamente com o que a artista quis dizer, ok? Combinado, então vamos prosseguir.

Ela começa observando barcos a remo em uma pintura. Eles sempre parecem estar querendo remar para longe, ela diz. E o capitão, preocupado, se contorce olhando para as ondas.

Depois, ela interrompe essa observação e nos situa: aparentemente ela está em um museu, cercada de gente que observa a mesma pintura e outras obras. Canta que as pessoas ao redor estão sussurrando em francês, alemão, holandês, italiano e latim, indicando que a galeria é enorme, antiga (latim é uma língua morta, afinal) e um grande ponto turístico internacional. “Quando ninguém está olhando eu toco uma escultura. Mármore, fria e suave como cetim. Mas os mais especiais são os mais solitários. Deus, que pena dos violinos. Em caixões de vidro eles tossem, eles esqueceram como cantar”.

E pouco depois vem minha parte favorita: “Obras-primas servem penas máximas”, ela diz, comparando estar num museu como estar numa prisão. Ela canta que os culpados por elas estarem ali são elas mesmas, há um preço a pagar quando se é atemporal. Olha que lindo isso.

“Aqui está o seu bilhete, bem-vindo aos túmulos. Eles [museus] são apenas mausoléus públicos. Os mortos-vivos preenchem cada cômodo”, ela canta, juntando no mesmo balaio as obras e seus apreciadores. Acho interessante pensar nisso: o que seria a liberdade para uma obra de arte? Ficar na casa de alguém, onde seria bem cuidada e apreciada com carinho apenas pelo dono da residência? Isso é melhor que ficar numa enorme galeria onde se será bem cuidado e apreciado de forma genérica pelos funcionários e por milhares de visitantes?

E o que é liberdade para um homem?

Por coincidência ou não, a pessoa que eu estava apaixonado vivia dentro de um relacionamento abusivo e toda essa metáfora de fuga também se aplicaria naquela história que testemunhei. Eu via de longe que ele estava sozinho ali, no caixão de vidro dele, tossindo ao invés de cantando, mas eu não podia fazer nada à respeito. Se pegasse esse violino, eu seria ladrão, e existem milhares de alarmes nessa vida de museu da gente. Eu precisava me contentar com o que eu podia fazer, que era apreciar de longe, de canto de olho, enquanto quem estava lá na frente e tinha chance de apreciar de pertinho não estava prestando atenção nas detalhes da obra.

Jurei que se aquele barco a remo viesse comigo, o levaria para lugares incríveis. Há mesmo um preço a pagar quando se é atemporal, o de poucos conseguirem enxergar seu valor o tempo todo. Mas jurei que conseguiria, pois vejo seu valor mesmo não estando na sua presença, sei seu valor mesmo convivendo apenas com réplicas e impressões borradas suas. Mas talvez eu não seja mesmo um colecionador de arte.

“Elas vão ficar lá em suas molduras de ouro. Para sempre, para sempre e um dia”

O pop tem razão: “Paradise (Not For Me)”

“Eu era deprimido pois ouvia música pop ou eu ouvia música pop pois eu era deprimido?” Essa é uma questão de “Alta Fidelidade”, não sei se do filme ou do livro ou dos dois. O que interessa é que a dúvida é pertinente. Para tentar extrair dela algum divertimento – ou alguma sabedoria – criei essa categoria no blog para analisar músicas que fazem algum sentido pra mim.

Eu tenho uma teoria sobre Madonna: o sucesso, a fama, a fortuna e o marketing impedem que muita gente veja a poesia de seus trabalhos. O lado performer dela acaba chamando muito mais atenção que o inspiracional – que vem em ondas ao longo da carreira, mas está sempre lá.

E essa é uma música que exemplifica bem isso. Lançada lá no álbum “Music”, em 2000, nem a mim chamava muita atenção. Eu gostava dos malabarismos vocais, dos barulinhos eletrônicos, do trecho em francês, mas não conseguia ver direito sobre o que ela falava. Foi apenas revendo a apresentação ao vivo na turnê de 2005 que minha ficha finalmente caiu e enxerguei várias camadas de significados ali. Talvez tenha a ver com o fato que eu estava sob influência de algumas substâncias, confesso.

Pra mim, é uma canção sobre a relação que temos com nossas religiões durante nossa infância, geralmente impostas pelos nossos pais e familiares. “Eu não me lembro quando eu era jovem, eu não consigo explicar se era errado. Minha vida continuou, mas não do mesmo jeito. Nos seus olhos, meu rosto permanece”, canta ela no começo. Acho que diz respeito a esse vestígio que uma crença deixa dentro de você, de você não saber se acredita em algo por realmente acreditar ou por ter sido ensinado que isso é o correto. E talvez o olhar que permaneça tenha a ver com a mãe de Madonna, que era uma católica fervorosa (a proibia de usar jeans, por exemplo) e que veio a falecer quando a cantora tinha ainda 6 anos.

E o refrão tem a ver com a descoberta que esse sistema de crença não funciona pra você. “Eu estive tão alta, eu estive tão baixa. No alto dos céus e no chão. Eu estava tão cega, eu não conseguia enxergar: o seu paraíso não é para mim”. Depois de passar por altos e baixos, ficou claro que todos aqueles conceitos são excludentes e que as religiões, na verdade, não te aceitam como você é e que elas, de verdade, não te salvaram nos momentos que você estava caído.

Em seguida, vem o trecho em francês: “Ao meu redor eu não vejo quem são os anjos. Certamente não sou eu. Mais uma vez estou quebrada. Mais uma vez eu não acredito”. Quem são essas pessoas? Fiéis da mesma igreja? Familiares? E qual o motivo do francês? Por ser uma língua tradicionalmente ensinada em colégios dos Estados Unidos? Não sei bem.

E a linha final: “Há uma luz acima da minha cabeça. Em seus olhos, minha face permanece”. Aqui acho que é uma referência àquele Salmos que diz que “Tua palavra é lâmpada para os meus pés e Luz para o meu caminho”, especialmente pois “Luz” é uma das maiores metáforas dentro do estudo da Cabala (vertente mística do judaísmo que a cantora estuda), representando tudo de bom que emana de Deus.

Li também que a canção é uma metáfora para os altos e baixos da fama, mas acho que há conexão até entre isso e religião: Madonna já disse em várias oportunidades que estudar Cabala fez com que ela compreendesse melhor seu lugar no mundo, colocasse perspectiva em sua fama e em suas obrigações como ser humano. “Eu tenho menos altos e baixos hoje”, diz ela no documentário “I’m Going to Tell You A Secret” quando aborda o assunto.

Tudo isso fez sentido quando vi ela apresentando a canção tocando violão e com Yitzhak Sinwani cantando junto. Ele também estuda Cabala e é quem entoa os cantos hebraicos de uma outra música de Madonna que ganhou seu nome, “Isaac” – apesar de que o trecho usado nessa última é da canção “Im Nin’Alu”, da israelense Ofra Haza.

600full-madonnaNesse show, “Paradise (Not For Me)” ganha uma versão calma e Madonna divide o foco com o cantor. Aliás, em certos momentos ela o destaca, vemos pela primeira vez Madonna tocar violão em seu show para que outra pessoa cante. Acho que foi aqui que minha ficha caiu: da canção ser uma metáfora para uma religiosidade imprecisa na infância que deu lugar a algo mais profundo na vida adulta. Yitzhak representa a calmaria, a nova fase, a Cabala, tudo que faz da nova Madonna outra pessoa. Agora ela está confortável a ponto de colocar à frente de si mesma tudo em que ela acredita – ao contrário do que faz com o catolicismo desde os anos 1980, que é confrontar e não aceitar.

E pensando nisso, lembrei que essa música era um interlude na turnê de 2001, com um vídeo inspirado em “Memórias de Uma Gueixa” e achei que a intenção ali era a mesma. Pouca coisa simbolizaria melhor algo que é tradicional e repressor. Daí a relação com a religião também.

Pirei demais?

O pop tem razão: “First Time He Kissed A Boy”

“Eu era deprimido pois ouvia música pop ou eu ouvia música pop pois eu era deprimido?” Essa é uma questão de “Alta Fidelidade”, não sei se do filme ou do livro ou dos dois. O que interessa é que a dúvida é pertinente. Para tentar extrair dela algum divertimento – ou alguma sabedoria – criei essa categoria no blog para analisar músicas que fazem algum sentido pra mim.

Essa música bateu forte aqui quando ouvi pela primeira vez. Fui impactado primeiro com o clipe, que achei muito bonito. A escolha das cores, o clima vintage e, especialmente, o momento dele olhando a foto do menino que ele gosta. Minha versão disso, na adolescência, era o perfil de Orkut da pessoa. Passava horas vendo o que ele escrevia, que comunidades fazia parte, que fotos subia nos álbuns. Me identifico muito com esse sentimento de “ai, ele nunca vai nem saber que eu existo”.

Depois pela letra mesmo, lembrou demais minhas primeiras experiências. Quando ouço, lembro do meu primeiro amor, no colégio, e encaro a voz melancólica como se fosse um narrador descrevendo como eu era naquela época: “troubled face, headphones on, forgetting time and place, all he wanted”. E era bem isso mesmo. Eu estava sempre de cara fechada, com esse ar blasé que ainda tenho traços, sempre com fones de ouvido tentando fugir do mundo ao redor. Eu não sabia lidar com tudo que estava sentindo e não me sentia parte de nada que via: nenhum ambiente é mais desconfortável para um pré-adolescente gay do subúrbio católico que um colégio particular evangélico. Eu não me sentia eu mesmo quase hora nenhuma, quase com ninguém.

Na segunda parte, ainda seguindo a ideia do cantor como narrador, o “feeling stuck” é a minha descrição, o “set him free” é um conselho para o menino de quem eu gostava. E foi isso que aconteceu. Demorou, mas foi exatamente o que ele fez: me libertou. De quando comecei a perceber que talvez eu fosse gay até o meu primeiro beijo de verdade foi um longo caminho que me exigiu muita coragem.

Hoje falo com naturalidade sobre o assunto, mas no começo foi difícil: eu realmente gostava muito dele e, apesar de mais novo, ele era muito mais experiente. Até hoje fico vermelho de vergonha de lembrar da minha falta de tato e jeito na hora de conversar e, finalmente, beijá-lo pela primeira vez. E quando lembro da sensação, é tudo muito bom. Tenho certo orgulho de dizer isso: meu primeiro beijo de verdade, com outro menino, foi com alguém que eu gostava bastante e isso fez com que aquilo fosse mágico. Essa sensação não some nos beijos futuros, mas fica mais rara.

E o refrão, pra mim, narra com detalhes minha experiência: basicamente ele diz que na primeira vez que ele beijou um menino que ele não conhecia, estava frio e um sugeriu ao outro que se cobrisse, “cover up” no sentido de se agasalhar. E foi assim mesmo; éramos vizinhos e nossos encontros eram basicamente marcados por longas caminhadas no bairro à noite. Na segundo parte do refrão, sai-se da experiência individual daquele momento e fala-se do quadro geral, de se assumir gay: “ele nunca tinha amado antes, e eles agora vão andar numa estrada fria e cheia de curvas”.

E a última parte fala de como essa experiência te marca para toda a sua vida. “É como se o fantasma da pessoa ficasse trancado pra sempre dentro de você”, diz a letra. E concordo: esse meu lance da adolescência foi uma simples brisa de verão se colocado lado a lado com alguns que vieram no futuro, mas por falta de comparação, eu senti muito intensamente esse primeiro amor. Demorei anos pra superar a rejeição do menino, sofria se via ele na rua, tive que abrir mão de todos os nossos amigos em comum.

A última linha, “get lost”, é repetida várias vezes e nela eu me perco. São conselhos? Pedidos? “Perca-se” no sentido de se entregar às suas emoções? Ou “perca-se” no sentido de sumir do mapa depois de uma rejeição do primeiro menino que te beijou? Não sei, mas as duas interpretações funcionam bem no meu caso.

Mesmo depois disso tudo, às vezes ainda me sinto o menino feio e magrelo do colégio, de aparelho nos dentes e cabelo torto, e a fim do cara mais popular da escola. Mas enfim. Get lost.

O pop tem razão: “Elastic Heart”

“Eu era deprimido pois ouvia música pop ou eu ouvia música pop pois eu era deprimido?” Essa é uma questão de “Alta Fidelidade”, não sei se do filme ou do livro ou dos dois. O que interessa é que a dúvida é pertinente. Para tentar extrair dela algum divertimento – ou alguma sabedoria – criei essa categoria no blog para analisar músicas que fazem algum sentido pra mim.

O álbum “1000 Forms of Fear”, da cantora Sia, é um dos meus favoritos. Ela tem uma coisa parecida com a Robyn de ter batidas fortes (e algumas até dançantes) e malabarismos eletrônicos por baixo de letras profundas, pessoais e, muitas vezes, bem tristes. Eu gosto muito desse tipo de construção.

Desde o começo, “Elastic Heart” me chamou atenção. Eu sou um produto da escola Alanis Morissette de se-reerguer-após-foras-ou-amores-não-correspondidos, então foi fácil me apaixonar por essa letra. A primeira linha é: “And another one bites the dust”, que na tradução ficaria como “e mais um come poeira”, mas o significado em inglês para a expressão é tanto a de alguém que foi ultrapassado e ficou para trás quanto para alguém que morreu e foi coberto de terra. Poderoso isso, né?

E ela continua a história: “Por que eu não consigo conquistar amor? Eu talvez tenha achado que nós fôssemos um e quis lutar essa guerra sem armas”. E grita: “E eu queria, eu queria tanto! Mas havia bandeiras vermelhas demais. E, agora, mais um come poeira. Vamos esclarecer as coisas: eu não confio em ninguém”. Gosto muito dessa última frase pois não sei se tem mais a ver com o futuro ou o passado, se ela diz que por causa do antigo amor perdeu a confiança na vida a dois, ou se a antiga vida a dois desmoronou exatamente por sua culpa, por não confiar na pessoa ao seu lado.

“Mas você não me despedaçou, eu ainda luto pela paz”, diz. E vem o refrão: “Eu tenho a pele grossa e um coração flexível – mas sua lâmina talvez seja muito afiada. Eu sou como um fio elástico até você puxar com muita força – sim, eu posso arrebentar e me mexer rápido. Mas você não vai me ver desmoronar, pois eu tenho um coração flexível”. Eu ouço esse trecho e quase choro.

Na próxima parte da música, acho que ela já canta sobre o relacionamento seguinte, em como ficou alerta devido ao que aprendeu. Mas que nem tudo saiu como ela queria mesmo assim, pois talvez o egoísmo tenha saído de controle. “E eu vou ficar acordada à noite toda. Vamos ser claros, eu não vou fechar meus olhos. E eu sei que eu posso sobreviver, eu andaria através do fogo para salvar minha vida. E eu quero, eu quero muito a minha vida! Eu estou fazendo tudo que eu posso. E aí outro come poeira. É difícil perder quem você escolheu”.

Não é linda demais essa música? Sim, e ficou ainda melhor com esse clipe em que Maddie Ziegler, que conhecemos no clipe de “Chandelier”, divide as atenções com o ator Shia LaBeouf.

Em uma entrevista dada enquanto dirigia o vídeo, Sia conta que – entre outras coisas – eles interpretam dois lados de uma mesma pessoa – cada hora um representando a criança interior ou um dos demônios um do outro. E o coreógrafo dá sua opinião também: “Eu os vejo como a mesma pessoa, e a jaula é o crânio. Sua raiva e seu amor por si mesmo”.

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Parece que o clipe foi inspirado nesta performance, em que o artista Joseph Beuys se trancou sozinho com um coiote durante dias. Nesse texto aqui, a Aline Valek (<3) fala sobre essa metáfora do clipe:

Ele tenta se aproximar, fazer amizade com o companheiro apavorante que o acaso fez o favor de jogar na sua cela, tentar conviver pacificamente com aquele bicho sujo, desgrenhado, cheio de dentes.

Mas toda vez que tenta, o coiote ataca. Na gaiola, o espaço é limitado para fugir e pequeno demais para um bicho arisco conviver com outro bicho que precisa de algum contato para sobreviver.

Um toque, é só o que o peço, o homem diz. O coiote morde e uiva e dá patadas: não!

[…]

A solidão pode fazer as pessoas agirem de forma estranha – e o homem, desesperado com aquele isolamento, parte para cima do coiote. Os dois lutam. O homem fica muito ferido, mas parece não se importar. Que diferença faz morrer se a outra opção é não ter ninguém?

O que nos traz de volta à letra da canção, inicialmente tão desconexa do vídeo. Você quer fazer conexões e às vezes ignora o fato de que essas conexões que você está focado, que você tanto quer fazer, podem te causar dor. Mas a perspectiva de solidão parece tão mais dolorosa que essa dor de estar mal acompanhado que você aceita. E, pior, agradece.

Eu conheço gente que pensa assim, eu já quis convencer gente que pensa assim a mudar – e eu já pensei assim em um passado não tão distante. Mas eu tenho um coração elástico agora.

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O pop tem razão: “Living for Love”

“Eu era deprimido pois ouvia música pop ou eu ouvia música pop pois eu era deprimido?”. Essa é uma questão de “Alta Fidelidade”, não sei se do filme ou do livro ou dos dois. O que interessa é que a dúvida é pertinente. Para tentar extrair dela algum divertimento – ou alguma sabedoria – criei essa categoria no blog para analisar músicas que fazem sentido pra mim.

Tem dias que não paro de ouvir “Living for Love”, o mais recente single de Madonna, parte do álbum “Rebel Heart”. Gosto de como a música se inicia em um lugar e termina em outro completamente diferente: começa com um pianinho da Alicia Keys, vira um dance noventista cheio de paradinhas e bateria eletrônica, pra terminar como um hino gospel cheio de corais.

Mas a letra, ah, essa letra! Nos mais de 30 anos de carreira, Madonna já cantou muito sobre comecinho de paixão, sobre se divertir adoidado e sobre divórcio. E essa música entra bem nessa coletânea: não fala de frio na barriga ou olhares trocados na pista de dança, mas narra a jornada de um relacionamento que, apesar de ter acabado, não matou as esperanças de que um novo amor vai chegar e ser arrebatador.

É uma ideia que eu mesmo preciso ficar me lembrando. Depois de um certo número de pés na bunda ou socos no estômago, você tende a perder as esperanças, a generalizar as pessoas, a se recolher ou a se jogar nos lugares errados.

“Primeiro você me ama e eu te deixo entrar. Me faz sentir que nasci de novo. Você me empodera e me faz forte. Me construiu como alguém que nunca erra”, diz no começo. Mas aí as coisas vão mudando: “Eu baixei minha guarda e me joguei nos seus braços. Esqueci quem eu era, não ouvi os alarmes. Agora estou de joelhos, sozinha no escuro. Eu não vi o seu jogo e você atirou uma bala no meu coração”. Dramática? Imagina.

“Me levou aos céus e me deixou cair. Agora que acabou, eu vou continuar. Me colocou lá em cima e me observou tropeçar. Depois da mágoa, eu vou continuar”, diz a próxima estrofe, já anunciando o refrão de esperança. “Vivendo para o amor, não vou desistir, não vou parar”.

E a mensagem de esperança, sóbria e agridoce, continua: “Eu poderia me perder em amargura, mas não vou ficar no meio de toda essa bagunça. Eu achei liberdade na feia verdade: eu mereço o melhor, e não é você”.

E minha parte favorita: “Você quebrou meu coração, mas não vai me derrubar. Eu me quebrei, estava perdida, mas me achei. Peguei minha coroa e coloquei de volta na minha cabeça. Eu posso perdoar, mas nunca vou esquecer”. Adoro essa parte pois, pra mim, não tem a ver com vingança e sim com aprendizado. Não sofrer com o passado é ótimo, mas aprender com ele é necessário. E quanto mais babacas temos no nosso currículo, melhor fica nosso filtro para o futuro. É só continuar vivendo para o amor que ele vem.

No clipe da música, Madonna é uma toureira domando minotauros, figura mítica do homem com cabeça de touro. Ela dança belamente com todos até ser a última sobrevivente e com um par de chifres nas mãos, o símbolo de força e virilidade do tal bicho. Boa metáfora.

O clipe termina com uma citação de Nietzsche (aliás, está faltando um S no nome dele no vídeo, vixe):

O homem é o animal mais cruel. Foi com tragédias, touradas e crucificações que até agora ele se sentiu melhor na Terra; e, quando inventou o inferno, este foi seu céu na terra.

Mas o texto que mais diz respeito à mensagem da música é o de abertura da apresentação que ela fez no Grammy:

Esta será a revolução de investigar mais, de não precisar ganhar a aprovação de outro, não desejando ser outra pessoa, mas perfeitamente contente em ser quem você é. Alguém único e raro e sem medo. Eu quero começar uma revolução do amor.

Amém, Madonna.

O pop tem razão: “Habits (Stay High)”

“Eu era deprimido pois ouvia música pop ou eu ouvia música pop pois eu era deprimido?”. Essa é uma questão de “Alta Fidelidade”, não sei se do filme ou do livro ou dos dois. O que interessa é que a dúvida é pertinente. Para tentar extrair dela algum divertimento – ou alguma sabedoria – criei essa categoria no blog para analisar músicas que fazem sentido pra mim.

Tove Lo é uma cantora sueca que começou a vida na música escrevendo canções para inúmeros artistas, incluindo Icona Pop e Girls Aloud. Meu primeiro contato com ela foi com “Habits (Stay High)”, um hit inesperado com a fórmula pop que eu mais gosto nessa vida: batida forte e animada com uma letra depressiva e/ou reflexiva. Fazer pop com excesso de vogais no refrão é fácil.

Como acontece com Robyn e Sia, Tove Lo canta sobre acontecimentos pessoais (não necessariamente autobiográficos, mas vai saber) com certa melancolia. No clipe de “Habits” ela interpreta exatamente o tipo de pessoa descrita ali: alguém que aposta em comportamentos hedonistas de auto-destruição com o objetivo de esquecer alguém. Apesar de muito diferente, ela me lembra um pouco “Wake Up Alone”, da Amy Winehouse, sabe? E, como em todas as histórias desse tipo, o resultado desse hábito é o contrário do esperado.

“Eu janto dentro da banheira, depois vou para clubes de sexo (…), eu não nasci ontem e já vi de tudo”, é assim que ela abre a canção. Depois fala sobre larica, vomitar na mesma banheira onde jantou e gastar todo o dinheiro em bebida. E no refrão ela explica: “você foi embora e eu tenho que ficar chapada o tempo todo para mantê-lo fora da minha cabeça. Tenho que ficar chapada a vida inteira para esquecer que sinto sua falta?”. Acho bonito pois não é uma letra ostentação e nem adolescente “olha pra mim, eu bebo muito”, é um hino de tristeza mais profundo que isso.

E a música por si só é linda e bem produzida, mas o clipe a completa de uma forma maravilhosa. Todo mundo se reconhece ali. Gente feliz na festa, em público, pegando todo mundo que aparece pela frente, mas chorando no banheiro quando está sozinho. Mesmo quem não tem o hábito de sair pra baladas já “precisou” ir em alguma com esse objetivo de (teoricamente) limpar a mente e clarear as ideias. O problema é a ressaca que isso pode causar.

E o melhor desse refrão tão bonito e honesto é essa sensação dele ser gritado. Deve ser muito bom ouvir isso bêbado numa pista, pra poder berrar junto. É mais ou menos o que eu estou precisando fazer esses dias.

O pop tem razão: “Chandelier”

“Eu era deprimido pois ouvia música pop ou eu ouvia música pop pois eu era deprimido?”. Essa é uma questão de “Alta Fidelidade”, não sei se do filme ou do livro ou dos dois. O que interessa é que a dúvida é pertinente. Para tentar extrair dela algum divertimento – ou alguma sabedoria – criei essa categoria no blog para analisar músicas que fazem sentido pra mim.

Sia já era moderadamente famosa por seus discos anteriores, o hit “Breath Me” (que letra!) e por ter composto músicas para nomes grandes da indústria musical. No último ano ela virou destaque das paradas e arroz de festa de programas de auditório com essa música por conta do refrão chiclete e do clipe artístico.

O refrão é mesmo pura diversão de ouvir e cantar: muita gritaria e sílaba esticada. Mas o que a canção descreve com uma melancolia surreal é um sexo casual e a manhã seguinte:

Eu sou quem você liga “para se divertir”, o telefone não para de pular, minha campanhia toca. Eu sinto o amor. (…) O sol nasceu, estou um caos, preciso levantar agora, preciso fugir disso. Lá vem a vergonha.

Antes do refrão, ela canta sobre o tanto que ela bebe para conseguir curtir esse estilo de vida party girl: “mando pra dentro até perder a conta”.

Mas o mais bonito e identificável pra mim é a segunda metade do tal refrão. Ela diz que está fazendo tudo isso enquanto “espera por uma vida melhor”. “Não vou olhar pra baixo, não vou abrir meus olhos. Mantenho o copo cheio até de manhã para conseguir atravessar a noite”.

E eu fico pensando se ela quer dizer que bebe para aguentar esse sexo casual de rotina (pois ele não tem tanta graça mais) ou se é pra aguentar a espera por uma coisa diferente (pois a vida não tem tanta graça mais). As duas interpretações são interessantes e me soam corretas. E aí eu transformo esses berros do refrão (“vou balançar no lustre”) nisso.

Pra mim esse ato tão exagerado é sobre a noitada, mas é também o símbolo dessa mudança, desse fim de rotina, que a personagem precisa fazer pra chacoalhar a poeira desse dia a dia (ou noite a noite) de tristeza e auto-destruição. “Vou viver como se não houvesse amanhã. Vou voar como um pássaro pela noite. Vou sentir minhas lágrimas enquanto elas secam. Vou balançar no candelabro”, conclui. Acho linda essa parte, essa lista de planos.

É um retrato de um grupo grande de pessoas em que me incluo. É fácil reclamar de uma vida sem emoções em que você não faz nada diferente de ontem. Mas a esperança é a última que morre e achamos que no meio da rotina vai aparecer alguém para nos tirar dela.

Fazer sempre a mesma coisa, mas desejando resultados diferentes é utopia ou ilusão? Ou os dois? Para mim essa é a mais triste das músicas de confiança. A vida é complicada e devemos ir nos permitindo prazeres diversos na busca por um mais duradouro. Uma hora ou outra todo mundo vai balançar no lustre.

O pop tem razão: o divórcio segundo Madonna

Não me atentei às datas certinhas. É só um por cima do que sei das histórias e das fofocas, além da minha impressão sobre as músicas – essas sim conheço bem.

‘Til Death Do Us Part (Like A Prayer, 1989)

Em meio a canções sobre família e religião, essa é a música mais pessoal desse disco que, por sua vez, era o mais pessoal da carreira de Madonna até então. Era impossível não relacionar essa canção ao fim do conturbado casamento com o ator Sean Penn. “Ela usa a chave, ele quebra a porta. Ele começa a gritar, os vasos voam. Ele faz exigências, ela impõe limites. Ele começa a brigar, ela começa a mentir. Mas o que é verdade quando algo morre? Ele não está apaixonado por ela”. O mais curioso: seu álbum anterior, “True Blue”, era “dedicado ao meu marido, o homem que mais amo no mundo”. Quem te viu, quem te vê.

Tudo terminou bem mal na época. Apesar dele ter sido o primeiro homem que ela amou de verdade (segundo ela mesma no documentário “Truth or Dare”), eles eram muito jovens e não lidavam bem com a fama ainda. O lado bom é que agora, já maduros, são bons amigos. Não tem muito tempo que ela visitou os projetos sociais dele no Haiti e ainda levou a tiracolo o filho do segundo casamento pra conhecer o cara. Aliás, sempre que perguntavam o motivo dela ter virado diretora (ela dirigiu o média-metragem “Sábios e Sujos” e o longa “WE”), o primeiro que ela dizia era: “fui casada com bons diretores”.

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Desde então ela fez filmes, lançou muitos discos, mudou de visual umas mil vezes, teve sua primeira filha (Lourdes Maria, filha de seu personal trainer) e, alguns anos depois, engravidou do namoradinho: o cineasta inglês Guy Ritchie, dono de filmes geniais como “Snatch” e “Jogos, Trapaças e Dois Canos Fumegantes”. Ele pediu sua mão quando ela ainda estava no hospital depois de ter dado à luz Rocco, o primeiro filho dele. E as coisas se seguiram bem durante sete anos.

I Deserve It (Music, 2000)

A primeira homenagem de Madonna a ele era clara aqui. Muita paixão e amor e cumplicidade. Era curioso saber que ela foi escrita e gravada quando eles namoravam e que, um ano depois, em sua turnê de 2001, ela já estava de aliança no palco cantando: “Muitas milhas, muitas estradas, eu viajei. E caí pelo caminho. Muitos corações, muitos anos, se tornaram irrelevantes. Estou começando hoje. E te agradeço”.

Incredible (Hard Candy, 2008)

Essa batidinha, geralmente ignorada pelos fãs, fala sobre a vontade de voltar ao começo de um relacionamento. “Lembra do primeiro momento que você chamou atenção daquela pessoa especial? Quero voltar para ele, preciso pensar em como fazer isso”, diz. Os batuques e vocais disfarçam que a letra é melancólica – em especial pois ela cresce e termina bem animada. Mas nas entrevistas de divulgação do álbum perguntaram várias vezes a quem ela se referia no trecho “sex with you is incredible” e resposta estava na ponta da língua: Guy Ritchie. Então tá.

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Miles Away (Hard Candy, 2008)

Os boatos de divórcio apareceram logo que eles se casaram, mas havia algo em “Hard Candy” indicando que o fim estava perto de verdade agora. Essa canção fala sobre relacionamentos à distância, algo que o casal sabia bem como era: foi para evitar isso que Madonna mudou-se de Nova York para Londres. “Alguém tinha que ceder”, disse ela na época. Mas as rotinas de filmagens e turnês sempre separava os dois. Não apenas isso, começou a crescer uma divergência de interesses, muito bem evidenciada no documentário “I’m Going To Tell You A Secret”, que mostra Guy em pubs, lutando e pescando, enquanto Madonna está em turnê, conhecendo Iggy Pop e levando seus dançarinos para concertos de piano. “Miles Away” é sobre a distância física virando distância emocional. É fácil falar que ama e está com saudades quando um está longe do outro, mas pra onde vai tudo isso quanto estamos perto? “Você sempre me ama mais à distância, eu ouço na sua voz”, ela canta. E termina com uma previsão: “Quando eu for embora você vai perceber que fui a melhor coisa que aconteceu para você”.

No final do mesmo ano, foi anunciado que o casal iria se divorciar mesmo, e o release pedia para que a mídia fosse discreta e respeitasse a família nesse momento – foi pouco antes disso que o casal adotou David Banda, um órfão do Malauí (uma versão pós-menopausa do famoso golpe da barriga?). No primeiro show da turnê “Sticky & Sweet” depois da notícia, a cantora dedicou essa canção aos “emocionalmente retardados” e todo mundo conectou as duas coisas, claro. Um tempo depois, promovendo seu novo filme (“Sherlock Holmes”), Guy foi perguntado sobre o fim do casamento: “Eu ainda a amo, mas ela é retardada”. Ok, calma, feras.

She’s Not Me (Hard Candy, 2008)

eitaÉ sempre bom lembrar que música é arte e é subjetiva, por mais comercial que ela seja. Quando Chico Buarque fala “eu” numa canção, ele não quer dizer que o quê é contado na letra da música aconteceu com ele hoje, mas sim no passado, ou apenas com o personagem que canta e conta aquilo. Mas é difícil pensar assim ouvindo essa: Madonna grita que “essa aí que você tá pegando nunca será tudo que eu sou”, sugerindo que se trata de uma conversa com o parceiro sobre uma traição ou, pior, uma troca. Nos shows, ela dedicava “She’s Not Me” para “meninas que já tiveram amigas que queriam ter tudo que elas tinham, incluindo seus namorados”, mas sei lá.

Gang Bang (MDNA, 2012)

A segunda música do primeiro álbum depois do divórcio é um recadinho maldoso ao ex. Na história, uma mulher traída arma de matar seu traidor a tiros. Uma referência aos filmes violentos de Ritchie? Se sim, fica ainda mais clara na turnê que viria a seguir, onde a música toca enquanto homens armados e encapuzados tentam matá-la. Detalhe: nas entrevistas antes da tour, Jimmy Fallon perguntou se ela planejava um clipe para “Gang Bang”. “Sim, já tenho tudo na minha cabeça, seria uma perseguição num quarto de hotel. Quero que o Quentin Tarantino seja o diretor”, disse, alfinetando bonito ao citar ~apenas~ o diretor mais bem sucedido e popular no mesmo gênero do ex.

Love Spent (MDNA, 2012)

O divórcio foi notícia no mundo inteiro por vários motivos. Um deles: não havia acordo pré-nupcial e a cantora desembolsou 92 milhões de dólares – estima-se. Essa canção é sobre isso. “Você teria casado comigo se eu fosse pobre? Se eu fosse seu tesouro, você teria encontrado tempo pra me valorizar”, canta. A música mistura batidas eletrônicas e banjo. “Você disse ‘até que a morte nos separe’, mas agora seus carrões, mulheres e bares subiram à sua cabeça. Me abrace como você abraça seu dinheiro. Gaste seu amor comigo”, pede. É uma letra incrível e totalmente honesta, talvez a primeira realmente pessoal em anos de carreira.

Nos shows, era cantada ao piano apenas, com Madonna sendo apertada por um cara num espartilho. No fim, cansada da pressão que tinham colocado nela, desistia de vestir a peça e se libertava do homem dando-lhe várias notas de dólar.

I Don’t Give A (MDNA, 2012)

A obra prima das músicas de divórcio pra mim é essa. Madonna canta um rap nervoso com guitarras enquanto conta como é sua nova vida como divorciada e mãe solteira, misturando tarefas de trabalho, de rotina, de relacionamentos: “Acorde, ex-mulher, essa é sua vida. Mensagens, empresário, sem tempo para manicure. Você viu o cara novo? Esqueci a senha. Tenho que ligar para a babá. Você estava tão bravo comigo. Quem ficou com a custódia? Advogados, lidem com isso, não havia pré-nupcial. Esqueci de fazer minhas orações, bebê Jesus nas escadas”, só pra citar algumas coisas. E ainda tem o rap da Nicki Minaj: “Quando eu deixo um cara ir embora, a perda é dele. Eu assinava seus cheques, eu era a chefe dele”. Paft.

I Fucked Up (MDNA, 2012)

“Quer saber como fazer Deus rir? Conte pra Ele seus planos”. Nessa triste canção, Madonna assume a culpa pelo fim da realação. “Eu fodi com tudo, te culpei quando as coisas não andaram do meu jeito. Eu devia ter deixado minha boca fechada”. Ela narra também uma alternativa ao rumo que as coisas tomaram, dizendo que os dois podiam ter viajado juntos, escalado montanhas, vivido como loucos até o fim da vida. “Mas, ao invés disso, te fiz chorar”.

Acho curioso ela dizer em francês que está arrependida, je suis désolé, que é uma frase usada em “Sorry” (Confessions on a Dancefloor, 2005), uma música que também parece ser de crise no casamento. Agora, ela termina com uma enigmática frase: “Desculpe, não tenho vergonha de dizer: queria ter você de volta, talvez, um dia. Ou não”.

Best Friend (MDNA, 2012)

“Tirei sua foto da parede, mas ainda espero uma ligação sua. Todo homem que passar por essa porta será comparado a você. Mesmo assim não me arrependo, sobrevivi ao pior dos testes. Não vou mentir: sinto que perdi meu melhor amigo”. Não precisa falar muito mais que isso, né?

Das canções sobre o divórcio, essa é a que retrata Guy de maneira mais agridoce. Hora as memórias descritas são gostosas, hora são um saco. Minha frase favorita da letra: “não dava para ter dois motoristas ao volante”. Mostra bem essa sensação que todo mundo tinha de fora: era um casal genioso, com um cara mandão e uma mulher poderosa. A criação tradicional dos dois os unia, mas a maneira que lidaram com isso os separava – enquanto Madonna tinha se libertado disso no mundo das artes e estava voltando ao universo comportado pelo mundo da religião, Guy ficada cada vez mais machão e homofóbico enquanto crescia, mas flertava cada vez mais com seu lado bon vivant agora que tinha dinheiro.

Se “MDNA” era o álbum do divórcio, sua turnê não seria diferente. Entre os destaques estão essa canção, que toca com imagens de cemitério numa passagem de bloco com Brahim Zaibat, dançarino e namorado da cantora na época, como destaque da coreografia.

E o exemplo mais claro: ela começa o show usando uma versão preta de seu look de casamento. Sim, ela casou com uma coroa.

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Ser casado com Madonna é uma tarefa e tanto.

O pop tem razão: “Rooting For My Baby”

“Eu era deprimido pois ouvia música pop ou eu ouvia música pop pois eu era deprimido?”. Essa é uma questão de “Alta Fidelidade”, não sei se do filme ou do livro ou dos dois. O que interessa é que a dúvida é pertinente. Para tentar extrair dela algum divertimento – ou alguma sabedoria – criei essa categoria no blog para analisar músicas que fazem sentido pra mim.

Depois de semanas com os dois primeiros singles grudados no meu cérebro, finalmente baixei “Bangerz”, o novo CD da Miley Cyrus. É um popzinho perfeito pra ouvir na academia, me disseram, e foi lá mesmo que o ouvi pela primeira vez. Mas quando tocou “Rooting For My Baby” eu simplesmente parei de me mexer. Coloquei no repeat e fiquei ouvindo só essa música uma semana.

Ela tem um groove e um trabalho de backing vocals diferentes das demais faixas do disco. E a letra fala sobre como você acaba se comportando quando a pessoa que está do seu lado está estressada – e qual é a tática para confortar tal pessoa.

“Quando você acorda de manhã e eu já sei que não é o seu melhor dia, eu fico à direita, fora do seu caminho. Apenas espere, em um minuto isso vai passar” é a primeira linha da música. Vindo do mesmo álbum que gerou algumas polêmicas sobre objetificação da mulher, pode parecer uma auto diminuição.

Mas não é. Em seguida, no refrão,  canta-se: “eu sei, eu sei que você lida com muitas coisas e que a pressão te sobe à cabeça”, mas com um arzinho muito do superior. Parece uma mãe passando a mão na cabeça de um filho que chora por um problema que ela sabe que não é grave.

E ela justifica esse “fingimento” com as palavras que dão título à canção: I’m rooting for my baby. E parte da graça aqui é que não fica claro nas primeiras vezes se ela está torcendo pelo cara ou se está torcendo pelo seu filho – o que tornaria essa atuação apenas uma maneira de manter o casamento estável em nome da família.

Eu nunca achei que veria tantas camadas numa música da Miley Cyrus. Talvez eu esteja vendo coisa onde não tem, mas vale lembrar que a música foi escrita (e produzida) por Pharrell Williams. E vale lembrar também, claro, que música boa é que a que relaciona com a gente, com o significado que damos pra ela. “Ben”, do Michael Jackson, é sobre uma criança e seu rato de estimação – mas tem muita gente que casou com isso tocando de fundo.

Enfim. Não existe relacionamento perfeito e saber se portar diante de situações diferentes e de acordo com o que você sente versus como o outro se sente é um desafio diário. É como o cara da música diz depois de dobrar as mangas da camisa: é um longo caminho e há ainda muito mais para ir.

O pop tem razão: “Royals”

“Eu era deprimido pois ouvia música pop ou eu ouvia música pop pois eu era deprimido?”. Essa é uma questão de “Alta Fidelidade”, não sei se do filme ou do livro ou dos dois. O que interessa é que a dúvida é pertinente. Para tentar extrair dela algum divertimento – ou alguma sabedoria – criei essa categoria no blog para analisar músicas que fazem sentido pra mim.

Desde a primeira vez que ouvi “Royals” eu gostei. Primeiro da batidinha, depois do clipe – as imagens são lindas e acho que há algo inexplicavelmente poético em raspar o próprio cabelo. Aí comecei a prestar atenção na letra.

Basicamente é uma menina falando calmamente em como não se reconhece nas músicas de sua época e no estilo de vida almejado pelas pessoas ao redor. E me identifiquei com esse sentimento.

Ela canta sobre nunca ter visto um diamante ao vivo, não ter orgulho do seu endereço e sobre contar moedinhas no metrô a caminho das festas. E aí compara isso com as músicas que só falam sobre dentes de ouro, jatinhos, drogas no banheiro, ilhas, vestidos de festa, destruição de quartos de hotel – e até tigres em coleiras douradas.

E o refrão, mesmo que melancólico, comemora: nunca seremos da realeza. “Isso não corre no nosso sangue, esse tipo de luxo não é pra gente. Nós procuramos outro tipo de agitação”. Amei essa frase.

A razão de eu ser classificado como desanimado e blasé nos últimos tempos tem muito a ver com isso: entre uma baladinha com músicas bobas ou lugares com gente pedante – escravas do luxo ou da aparência do luxo -, prefiro ficar em casa. Sei das consequências ruins desse comportamento, mas ainda acho mais vantajoso. Por isso me identifiquei com “Royals”, acho.

E aí chega o plot-twist da minha obsessão com essa música: a menina que canta, Lorde, é uma criança. Tudo bem, ela nasceu em 1996, mas eu sempre tive dificuldade em gostar de músicos com idade inferior à minha – fisiológica ou intelectualmente -, mas com ela não tive preguiça alguma. Parece que ela está em um nível diferente e é irresistível essa mistura de Kanye West e Lana Del Rey – por mais estranho que isso possa parecer.

Eu estou por fora do que estão falando por aí dela, mas eu aposto (e torço) por um futuro musical longo.

Abaixo, a versão americana do clipe, em que ela aparece mais.

E agora alguns lives, alguns covers, uns remixes fodas e um mashup com M.I.A!

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