Queridos Fumantes Que Não Fedem a Cigarro, vocês não existem.
Todo fumante fede. Talvez você engane com um Halls meia dúzia de pessoas gripadas ao seu redor. Talvez você engane a pessoa que você conheceu no Tinder e marcou de sair hoje, pois vai ter acabado de sair do banho. Talvez você engane outros fumantes que também já destruiram suas habilidades de discernir cheiros e sabores. Mas sabe quem você não engana? Todo o restante da população mundial.
A gente só finge que não percebe. A gente só finge que não se incomoda. Alguns fazem isso zelando pela sua amizade, outros com medo de você se sentir humilhado pela chamada de atenção, mas fatos são fatos e sim, você fede o tempo todo. O seu hálito é horrível. Quando você volta lá de fora depois de fumar, todas as pessoas que trabalham ao seu redor começam a tossir ou de repente precisam sair da mesa pra atender o telefone, beber uma água, ir ao banheiro. Você jura que nunca reparou as pessoas se afastando de você nos elevadores?
Com você não é diferente. Todos acham que são os únicos fumantes que não fedem. No bingo das desculpas sempre aparece: mas eu lavo a mão depois, mas eu chupo uma bala. Isso é um copinho de água pra apagar um incêndio na Amazônia, é apertar uma vez o spray de Bom-Ar no meio do lixão de Budapeste. E se você ainda toma aquele cafezinho depois de fumar, melhor ainda. Sai baforando cheiro de azia pela boca, na cara das pessoas – bom caso você seja anti-social, pois vai todo mundo fazer o que for preciso pra terminar logo a conversa contigo.
Pelo visto as imagens nos maços de cigarro não funcionam tão bem assim, por causa delas você não vai parar, nós já sabemos. As campanhas sobre câncer, mostrando gente morrendo, passando por cirurgias complicadas e invasivas, mostrando como a família sofre e definha junto do fumante, fetos abortados e crianças tendo seu primeiro contato com drogas via cigarro, nada disso te comoveu, né?
Como ex-fumante, eu entendo. A gente se apaixona. A gente começa amando a ideia do cigarro.
James Dean. Marlene Dietrich. James Bond. Ter algo na mão. Não parecer desocupado. Controlar o fogo. Se perder nos desenhos bonitos da fumaça. Brincar com o perigo. Olha só pra mim, eu fumo e estou ótimo. Mas esse relacionamento é tóxico – literalmente – e você estar ótimo é discutível, e é só por fora.
Logo logo esse charminho de mistério da pessoa segurando um cigarro se perde e você vira só mais um porco suado esperando a hora que vão encher sua vasilha com aquela ração nojenta, que é o seu cigarro.
Você, que só fumava quando bebia, começa a fumar pra ir daqui até ali na rua, pra esperar o ônibus, pra esperar a aula, pra pensar naquela ideia, pra mexer no celular, pra dormir melhor, pra acordar, pra acompanhar o café. Para abrir o apetite pra próxima refeição, pra fazer a digestão da refeição feita. Você começa a fumar antes de entrar num lugar fechado pra se garantir e evitar que você sinta vontade de fumar daqui a pouco…
Seu cigarro é como um radinho de pilha tocando a música que você mais odeia. Imagina alguém sempre atrás de você ou na sua frente, na rua, com esse radinho no último volume – que incômodo. A música alta tocando e te enchendo o saco enquanto você anda na calçada, no ponto de ônibus, inocentemente olhando vitrines de lojas. É meio que isso que você faz com as pessoas ao seu redor, com a diferença que nenhuma música dá vontade de tossir ou causa câncer. E você não faz isso apenas com desconhecidos.
Inclusive, se você é fumante e tem amigos não-fumantes, me escute: os valorize, eles são mesmo muito seus amigos por aguentarem tudo isso que precisam aguentar, só pra estarem perto de você. Aquele dia que vocês foram no parque juntos, lembra? Você jogou mais de 4 mil substâncias tóxicas na cara do seu amigo, sem perguntar nada antes pra ele, e ele ficou lá com você. Quando foi que ele fez algo remotamente parecido com você e te tratou mal assim?
Mas existem retaliações, é verdade: seu amigo não encosta em você, não aperta sua mão, não te deixa encostar no filho dele, nos pets dele e nem sentar no sofá dele. Mas não é nada pessoal, a culpa é do seu radinho aí, ligado no último volume.
Se você gosta tanto assim da música, continue aí ouvindo. Mas lembre-se que não dá pra obrigar todo mundo a ouvir com você, tá? Uma horas as pessoas cansam de te pedir pra desligar o rádio e simplesmente vão embora, cansadas da barulheira.
Bom, era só isso que eu queria desabafar mesmo.
Boa noite.